sábado, março 24, 2007

Ou assim...

Quero morrer dos meus passos
como docemente morrem os saltos
na pancada do acto.
As ágeis mãozinhas do Espanto,
entrecortado, por duas sombras
de espécie ligeira e fresca como
as manhãs de Primavera,
de onde partíamos os dois são encantamentos.
Não mais morrer a solo sem consigo,
contigo ou comigo.
Não mais violas a morrer na areia;
não mais esta garganta a arder de inferno
Como se no Verão fôssemos unos.
As esferas circundantes do sonho
são como os pássaros enjaulados nas mãozinhas do Espanto;
surpresos e atacados por cordas de nylon,
que o espírito ata às coisas vivas.
Quero morrer dos meus passos,
deixar-me cair entre os teus dedos;
Como a adivinha de um conto infantil,
moralmente digno das esperas e das partidas
em aviões cheios de gente para ilhas que
nunca mais acabam e que são de chocolate;
Quero morrer dos meus passos como
docemente, morreste, quando as janelas
das casas estavam fechadas,
e por dentro havia a luz dos olhos
que, quando dorme, fica da cor do néon.
As vozes são passadeiras,
arquitecturas bicadas; palavras que,
ao vento norte, numa noite, crua e verdadeira,
morrem dos nossos passos;
com os pés calcados do barro,
que nas ilhas a fortuna feita sorte,
fez nascer nos nossos lábios.
Sangra-me a carne em pedaços e
leva à ceia das sete damas,
onde o morto, por desmazelo,
não possui ninguém que o possa carpir.
Leva-me nos braços;
carrega-me, como quando,
saltando entre as poças da água
me feri de mimo e beijos
nas pontas dos dedos das mãos.
Quero morrer dos meus passos;
deixar de ouvi-los no seu mistério oco
de barulho feio e grosso;
na chinela cruzada,
que comprei para o Natal.
Deixa-me morrer em descanso!
Deixa-me, que ao tempo do meu tempo
não resta mais minuto, hora ou dia,
em que não pense de como, ou
que como, ou onde, ou
quem sabe talvez nesta vida
a onomatopeia pudesse entrar
seguida da interjeição e
caísse, pimba,
morta, descalça como
a Lianor pela verdura
dos versos provençais.
Ah! Deixa-me morrer morta!
Deixa-me nos cânticos da aurora,
põe-me Mozart;
canta-me tudo de novo;
as primeiras músicas
como o principio das letras
na escola no quadro preto e
diz-me das vogais e da praia,
da avó, da toalha.
Ensina-me a escrever a letra h;
a letra m, ensina-me o meu nome;
põe-mo na cartolina,
dobrada à minha frente,
um nome grande, enorme;
um nome que soletrado parecia meu
e tinha um eco; uma melodia…
uma transformação de qualquer coisa
menos ácida;
menos triste;
menos apagada; menos isto
ou aquilo.
Dá-me Poesia.
Enche-me as veias
desta Metáfora que embala
o sono dos poetas;
dá-me esta palavra em Latim;
os versos todos dentro
uns dos outros, como se as
passagens de cada um,
linha a linha, fossem de fogo,
a arder e a ver-se…
Chega de disfarces;
de rimas que morrem no
começo da página;
de folhas não numeradas
e de ares e de mares
e de pessoas a rir
para o primeiro clique
da armazenagem de catálogo.
Quero morrer dos meus passos.
Deixá-los como herança a quem os quiser
comprar; não para usar,
mas para fechar nas curvas
imaginárias de um poema que
nunca tive coragem de reescrever…
...

4 comentários:

Anónimo disse...

Fogo!
Isto é fogo, e arde, e queima, e, como toda a chama, hipnotisa...

TóZé

Anónimo disse...

LEtras muito poderosas, num ritmo berm conseguido. Excelente poema!

Anónimo disse...

LEtras muito poderosas, num ritmo berm conseguido. Excelente poema!

Anónimo disse...

LEtras muito poderosas, num ritmo berm conseguido. Excelente poema!