quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Croniqueta XLVII ou o Fífia não sabe o significado do significado disto e daquilo...


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O Fífia voltou depois do combate fortíssimo com que se defrontou no mês de Dezembro; quando entre gritos de negação e choro com lágrimas e tudo, tomou conhecimento de que o pai natal não existe. O grito. O drama, a enorme tristeza que se abateu sobre o nosso Fífia foram razão para que se lhe apagasse a memória e o ar se fosse como se morresse. Três dias de cama, a soro, papas de milho e leite com mel não foram suficientes para impedir a queda catastrófica de cabelo, as dores de estômago permanentes e, até, pese embora o esforço das tias, o espigo no beiço superior. Sinal de nervos. Ferido, qual fera sem toca, sobrevivendo ao ataque dos outros, o nosso Fífia recolheu ao cais, como um barco de mastro tombado, e, sem memória, desmaiou. Levado em braços pelos amigos do costume, um ou dois, num grupo de 20, acudiram-no mãe, tias e vizinhas. Durante dois meses cozeram-no num mimo morrinhento e, pronto, transformaram-no para sempre. Adjectivos não lhe cabem e são tantas as dores que, por mais que nos esforçássemos, não encontrávamos no melhor dos dicionários, definição para elas. Existem, mas não estão referenciadas em lado nenhum; porque esquisitas, medonhas, palavrosas e desmemoriadas, as ditas fazem-no andar em “contra mão”, esbarrando nos próprios actos, como se fosse um esguicho de spray para mosquitos; atinge-se a si mesmo, engasga-se, dobra-se, redobra-se e segue de banda, desasado.
Há quem diga, dos mais maldizentes que o seguram, que o Fífia já nasceu desta maneira; que, até Dezembro, levara um sopro de Espírito Santo (transportou uma coroa giratória), mas que, agora, passadas que estão as sopas e a carne assada com massa; caiu-lhe o manto e, na disputa, quem o apanhou foi a rainha. Xadrez da vida, penso. Mas, ao Fífia, nesta versão descabelada e gasta; bexiguenta e enriçada, falha tudo. Até os objectivos. Diz-se que a mira de outros tempos, mesmo, quando partilhada nos abates de outros alvos, era bem mais certeira do que esta. Nem mesmo os pombos de alfenim ou as donas Amélias o motivam. Verdade, seja, porém dita, o Fífia sempre foi sem motivo. Um inventor. Daí que ainda acreditasse no pai Natal e na sorte de ser rei toda a vida (a tempo inteiro). Mas vai nú, como na história. (A propósito diria Raul Brandão que a “história é dor”. Será?)
Sem reinado, encafuado num palrar desatinado, qual saco de açúcar pendurado ao sol ou, quem sabe, ramo de árvore cortado (não podado) o Fífia não acabou, mas o Fífia é hoje um palhaço triste. Uma máquina de falar em rotação diminuída e diminuta cujo nariz empinado, porque não convencido disto mesmo, lembra um substantivo uniforme cuja ideia não multiplica. E o género não se altera. Cansativo.

Notas importantes:
Memória: A memória é a capacidade de reter, recuperar, armazenar e evocar informações disponíveis, seja internamente, no cérebro (memória humana), seja externamente, em dispositivos artificiais (memória artificial).
Rainha: rainha ou dama é a peça de xadrez que fica ao lado do rei. Por sua capacidade de movimentação, recebe uma ênfase muito grande no jogo, a ponto de muitos jogadores desistirem do jogo quando a rainha é capturada sem que se consiga alguma vantagem ou igualdade com isso.
Substantivos Uniformes: Substantivos Uniformes são os que apresentam apenas uma forma para ambos os géneros.

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