terça-feira, janeiro 02, 2007

Citação (importante)

Um Homem Passa com um Pão ao Ombro...

"Um homem passa com um pão ao ombro
- Vou escrever depois sobre o meu duplo?

Outro senta-se, coça-se, tira um piolho do sovaco, mata-o
- Com que desplante falar de psicanálise?

Outro entrou em meu peito com um pau na mão
- Falar, em seguida, de Sócrates ao médico?

Um coxo passa dando o braço a um menino
-Vou, depois, ler André Breton?

Outro treme de frio, tosse, cospe sangue
-Convirá jamais não aludir ao Eu profundo?

Outro busca no lodo ossos e cascas
-Como escrever, depois, sobre o Infinito?

Um pedreiro cai de um Telhado, morre, já não almoça
-Inovar, em seguida, a metáfora, o tropo?

Um comerciante rouba um grama no peso a um freguês
- Falar, depois, da quarta dimensão?

Um banqueiro falsifica o seu balanço
-Com que cara chorar no teatro?

Um pária dorme com um pé ás costas
-Falar, depois, a ninguém de Picasso?

Alguém vai num enterro a soluçar
-Como em seguida ingressar na Academia?

Alguém limpa uma espingarda na cozinha
-Com que desplante falar do mais além?

Alguém passa a contar pelos dedos
-Como falar do não eu sem dar um grito?"


César Valejo
(tradução de José Bento)

Poema incluído na obra: Rosa do Mundo, 2001 poemas para o futuro, assírio & alvim, Lisboa, 2003, 3ª edição, pp. 1362.

1 comentário:

Anónimo disse...

podes gritar. eu calo.
beijos
eu