"(...)Se viver é distinguir-se, o orgulhoso deveria providenciar para não se parecer com ninguém. Mas a inveja, sob a sonante designação da emulação, trai-os: os soberbos vêem antes os modelos honrados e celebrados e querem ser celebrados e honrados a par deles, ou mesmo superá-los e desalojá-los, e não se dão conta de que são obrigados, para começar, a colocar os pés nas suas pisadas e no seu caminho.(...)"
"Os Imitadores", in Relatório sobre os Homens de Giovanni Papini.
Se o Fífia fosse uma moeda estaria toda dentada, dado que são muitos os dentes que, ultimamente, têm tentado roê-lo procurando, entre fios de palhaços, ainda não deixados no baú e carros de corrida de pista, o sumo daquelas suas ideias ditas, em público, como se fossem Ideias reais. Eles gostam. Eu não.
No fim, depois da luz de néon apagada e da meia dúzia de pessoas, cujo magistral rabo arrependido, dói na ocupação de seis de cinquenta cadeiras dispersas pela sala; depois de lidas as resenhas do que, afinal, foi proferido ali, pelo Fífia que ainda balança entre a idade da fralda e a mão da mãe, entre a fita e o mimo ou, pura e simplesmente, entre o amarelo e o branco, depois disso tudo; dá-se nele um ar que não arde, de um mar que não corre e, qual gafanhoto, apanhado na correria da chama, o Fífia queda-se e desaparece. Afinal, não foi há muito, muito tempo assim; que, no meio dos foguetes e das velas, soprou poucos anos mais que a maioridade. Agora, anda atarefado nesta sua era de ser grande, estendendo, aflito, passadeiras vermelhas para passarem os velhos e trôpegos, que se deleitam com as suas ideias miméticas. O Fífia é, por isso, uma vergonha para a “Poética” de Aristóteles. Para actor também não serve e quando, enredado nas suas próprias palavras, citando dezenas de mentores, sem dizê-lo, o Fífia parece uma corda bamba, cujas pontas, queimadas por um isqueiro de marca, deslizam na passadeira de mais um tempo. O Fífia não tem remédio que lhe valha. Os santos desconfiam dele e as esmolas que lhe dão não passam de traições ao dente. O Fífia não dá por isso. É tacanho. Egoísta. O Fífia sofre do mesmo mal de que sofrem aqueles que, mesmo passados pelas tormentas, mesmo levados em braços depois das derrotas, mesmo vendo, sentindo, cheirando e ouvindo tudo às claras, se recusa a querer ver, querer sentir, querer cheirar e querer ouvir o tempo de hoje. Prefere as conversas ralas, que como as papas, se derretem na boca dos ouvintes. Prefere as palavras poucas com trocadilhos de meia tigela de caroço. Prefere as distâncias imaginárias, quando monta no seu burro de duas patas, disfarçado de Lagópede e pia as suas ideias tristes, pouco claras e quase desmaiadas. Se o Fífia fosse uma luva teria dois dedos. Um para virar as páginas dos livros grandes que lê (grandes em tamanho) e o outro para por no ar à espera de vez. Se o Fífia fosse um alguidar teria asas dos lados e seria opaco. Dentro, guardar-se-iam batatas greladas pelo tempo de espera. Se o Fífia fosse uma luz de janela estaria sempre a apagar e a acender tal é a sua pressa para chegar onde já não está ninguém. Se o Fífia fosse um buraco teria fim sem começo, porque o nosso Fífia de hoje não atinou ainda com a forma de começar e, ao invés, deleita-se com fins de histórias repetidas e já sem nexo…O nosso Fífia, a prazo, tem data de há vinte anos.
* Sérgio Godinho
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