segunda-feira, outubro 09, 2006

Croniqueta XLII ou o Fífia é uma carpideira...


Em todos os poleiros, onde se lhe dá garantia de som e assistência, o Fífia aparece. Ele é discurso de mangas arregaçadas, de gravata pendurada no gargalo ou, se mais descontraído, como se, vindo das terras de longe, depois da fartura da ausência, lhe tivesse acudido o sol da jovialidade. Tudo como num soneto de vitória, cujas regras das quadras e tercetos, se perdessem numa obra de cordel. Porém, para mal dos nossos pecados, Fífiazinho não se cansa e qual disco riscado lastima-se e lastima-se e lastima-se diante da assistência que, garantida, aplaude.
O Fífia parece um cartão às tiras; desfiado pelo ensopado da água; morto por um urro de bravura, como, se em chegando-se ao palanque, as hostes se levantassem em peso, não para o mandar embora, mas antes para o abraçar e beijar qual Galaaz na conquista do pote de oiro, perdido nas selvas negras de uma floresta deserta do arquipélago. Mas este Fífia não é Galaaz, nem consta que o poço onde se enfiou até aos artelhos tenha oiro para lhe dar. Pobre. Mísero e escuro é o lugar onde está. Só assim se justifica a visão triste e aflita que tem de tudo e de todos. Na queda, dizem, bateu com a cabeça e sem sombras que lhe valessem nem guardas para o defender, pôs-se a modos de levar um susto. Assim foi. Ganhar a vida. Ser rei (sempre esta qualidade real a pesar-lhe a consciência, como um desejo pleno, uma conquista, uma lembrança!)e correr entre os nativos despidos e as nativas grávidas de crianças para aculturar.
O Fífia parece uma carpideira profissional: chora o defunto alheio; o que nos confunde. Sentimos uma certa teatralidade no modo como põe a cabeça sobre a cena, enquanto da boca lhe vão saindo todos os sinónimos de catástrofe que possamos imaginar.
O Fífia não ri; chora e nestes dias de chuva mais forte, o Fífia no “glamour” dos seus mais de 40 anos, não sendo propriamente uma pessoa desconhecida do público, chega a deixar atrás de si, um rasto de pena. O Fífia é daquelas pessoas que irrita; porque fala, fala, fala, pede desculpa pelo meio, a cada duas frases e depois, não cansado, de boca aberta, como se estivesse esfomeado, mama nas palavras friorentas que vai deixando cair dos beiços como fel. Para ele, não há mistérios nem casos por desvendar; tudo é forma, arco e concreto. Tudo se desenha no papel. Rolando, entre a gramática dos seus dias, de saco de lenços preso ao cinto das calças, distribui sorrisos aflitivos como quem entre uma carpeirice inglória e um lençol de lágrimas vãs, pede, roga e implora para o deixarem ficar. Afinal, que havia de ser o Fífia sem um ai para suspirar? Que havia de ser do Fífia sem a cobiça a suspirar-lhe nos pólos como uma garrafa meio bebida, cujo conteúdo, por ser velho, está azedo e cheio de mofo? Afinal, que havia de ser deste Fífia sem um defunto para chorar; um que fosse melhor para o seu palrar; um a quem se deitasse o olho mais depressa e, a pronto pagamento, se chorasse, em troca do lugar.
O Fífia, este Fífia, em cuja cabeça mora, suspensa uma lâmina de corte fino, anda desesperado, sozinho e triste, vertendo pela raiz do seu cabelo, a “vã cobiça” e a não “glória de mandar”…

(Este Fífia vai zangado)

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