terça-feira, setembro 05, 2006

Citação (importante)

"Duas amigas telefonam-me de Lisboa de urgência.
Alta noite, dormindo em Barcelona, num salto as oiço.
A perfídia centralista outorga carta de Colónia às Ilhas.
Sofro as minhas dores de coxo: prás do sabonete falta-me a paciência.
Os fios telefónicos, com fogo de lagoa, vibram:
Aquelas são das últimas Briandas do Arquipélago:
Uma pobre mulher com traços de fogo nos olhos,
A outra, irada, na alva beleza se excede,
Ambas me emprazam a tudo pelos gados,as nuvens,as calhetas.
O conselho da revolução espera-nos amanhã:
Mesmo de maca, ao General compareço.
Um rumor de Aguilhadas, de bull-dozers velhos, latas de leite,
[ corre as ondas
Chamam-nos os mortos, o mulherio, os baleeiros mansos com o cabo
[ do harpão nas unhas.
As minhas velhas primas, desamparadas, esmolam dos senhores
[ do MEC a renda dos vidros
Confiam no velho coxo, e o velho coxo corre a acudir.
É como fogo posto ou briga de arruaceiros de fora.

As furnas são nossas.
As pipas do vinho velho são nossas,
As carroças do peixinho nossas,
O leite das tetas que ordenhamos,
As pontas com poucos faróis muita craca,
Os caminhos seculares mal calçados
Os chafarizes com um tapete de bosta quente cheiram bem.
Vamos salvar as ilhas: Eu tenho lá ossos de Pai e Mãe.
Sujo seria se não acudisse ao chamado. Rufo ou roqueira, fogueira
[ acesa aos piratas,
Urro de caldeira arrebentada, qualquer apito de dedos na goela
[ serve para a porrada
Amiga, espera-me com as tuas inesgotáveis reservas exoftálmicas:
Arregalar os olhos é um privilégio oportuno
Tu outra, conta comigo na tua dureza brusca ( tu que és sempre menina)

E lá vamos bater o pé de Ciprião a Filipe.
O Marquês de Santa Cruz era uma ovelhinha comparado a estes carnívoros.

A Sala das Batalhas por Escorial explica tudo.
Eu agarro uma insónia, além de perder a noite a berrar da ciática,
Mas estes filhos da mamã hão-de nos pagar tudo o que nos fizerem,
Estes filhos de cerva hão-de afinal entrar na linha,
E levar nas canelas,
Metidos nos porões
( As moças às janelas),
Os grilhões
Que nos queiram enfiar à socapa nos pulsos duros da canga,
Eles que nos tratam como se andássemos de tanga.

( Até que me passe a zanga)"

Corsários à Vista, Vitorino Nemésio
31.03.1976