quarta-feira, maio 10, 2006

Croniqueta XXIII ou o Fífia é um cidadão suplente




De todas as histórias, aquela que mais gostava de ouvir contar era a do Polegarzinho.
A ideia de poder apanhar as migalhas daquele menino perdido no meio da floresta deixavam-no extasiado e a vibrar de alegria. Foi, por isso, que nunca procurou emprego nas férias de Verão que não fosse no café da tia, onde pudesse beber os restos de café das chávenas ou lamber os restos de gelado nas taças. Desde muito novo, herdava as roupas dos primos mais velhos; não tendo nunca que comprar vestuário para si. Gostava de ouvir os fins das músicas; numa repetição de refrão e consta que nos bailes de freguesia pedia sempre para dançar a moça mais cansada; resultado acabava dançando com as fitas rasgadas dos balcões, restos da festa. Na escola, escrevia com lápis pequeninos dos colegas, depois de serem afiados dez vezes e a mochila era herdada do primo mais velho 20 anos. Obviamente, que isto acabou tornando a vivência do Fífia numa situação de suplente; a si via-se, aos 18 anos, como um cidadão de enormes potencialidades quiçá político na nação ou, então, por obrigação de substituir alguém; rei de um condado distante. Leitor atento das fábulas de La Fontaine, lia-as de traz para a frente; chegando ao princípio com uma sensação de inacabado.
Assim é ele. Um cidadão suplente; não se escusa se for obrigado; mas foge de todas as obrigações à primeira; não escreve, resume o que outros escreveram; não fala, cita e não opina, medita as opiniões dos outros, os ecos do que disseram para depois reproduzir fielmente os últimos dois minutos do discurso do seu chefe.
Em criança, não foi um filho “suplente”, mas o facto é que à mesa comia o que os irmãos não queriam e os brinquedos todos com excepção de um papagaio que o pai lhe ofereceu, foram herdados dos primos mais velhos.
O Fífia nunca gostou, sequer uma vez, de levar vantagem; nunca se preocupou em ganhar; nunca quis ser o melhor ou, pelo menos, nunca teve o brio de dizer: “consegui”. Pelo contrário, de menino vem-lhe o gosto de esperar que os da sua equipa ganhem para festejar a vitória; nas fotografias dos anos nunca aparece em nenhuma mas, ao vê-las, aponta fulano e sicrano como sendo parecidos com ele. Têm traços, diz, enquanto alisa o pouco cabelo que traz, “os seus restos de passado”.
O Fífia é então o que espera no canto para a finta; o que não desafia, mas fia uma teia de cetim para fazer cair nela o primeiro mais desprevenido; visto ao longe parece um Santo; ouvido de perto dá ares de estar sempre em “substituição de”. Não é determinado nem ousado; é pacientemente preguiçoso. Mas, volta e meia lá se safa. Num revolver de saias de bailarino, corta daqui puxa dali e com as linhas deixadas no chão pelas costureiras mais distraídas; faz fantasias, puxa risadas amarelas. No fundo, é desajeitado; enche-se de luz, a que resta do palco, rodopia e entra em apoteoses várias, inseguro; trapalhão o Fífia é um avião atrasado que ao que tudo indica não tem trem de aterragem. Veremos se, um dia destes, não encontramos, apenas, um resto de Fífia e mais nada com flor de laranjeira ao peito como se fosse uma caixa de aguarelas vazia da qual não resta nem sequer um pingo de tinta para alegrar os seus dias…
Esperemos.