domingo, março 19, 2006

Sem preconceitos

"Os professores de Português ensinam mal ou os alunos aprendem mal? Por que razão a língua portuguesa está a dar tanta dor de cabeça a tanta gente?

Não creio que os professores ensinem mal, o que me parece é que muitos dos textos de apoio para o ensino da língua portuguesa não são os mais adequados à idade dos alunos. Há a tendência para se introduzir os textos clássicos da literatura portuguesa nas aulas de língua portuguesa mas muitas vezes os alunos não têm maturidade para compreenderem esses textos. Muitos desses textos reportam-se a séculos anteriores e estão fora da consciência e da realidade quotidiana dos alunos, o que pode criar um bloqueio ao nível do conhecimento e da compreensão dos conteúdos, o que propicia resistência ao gosto para esse tipo de leituras. Por outro lado, existe um mito no ensino do Português que, sendo a língua que falamos, parte-se do princípio que não é necessário dedicar muito tempo ao estudo das regras gramaticais, porque todos nós temos um conhecimento empírico, sabemos falar e sabemos transmitir as nossas ideias. Deveria apostar-se na divulgação da ideia de que é necessário também desenvolver um esforço no sentido de compreensão das regras e aplicá-las.

Como é que isso se pode fazer?

É preciso fomentar o gosto pela leitura mas não apenas pela leitura de textos canónicos pois ter de ler “Os Lusíadas, “Os Maias” ou Gil Vicente pode ser contra produtivo. Porque não ir para registos diferentes?

Existem actualmente obras que cativem os mais novos para a leitura e para o gosto pela língua portuguesa?

Sem dúvida. Acho que cada vez mais existe uma maior sensibilidade para a escrita e temos visto aparecer literatura infantil nomeadamente internacional, que tem conseguido captar um universo de leitores nas faixas etárias mais novas. O Harry Potter tem sido um fenómeno de popularidade.

É bom aconselhar Harry Potter como leitura?

Acho que sim. Mas se um adolescente se assusta com a extensão do livro também não deve ser obrigado a lê-lo só porque está na moda. É importante salvaguardar essa questão: Não devemos ser obrigados a gostar e devemos diversificar o tipo de textos que oferecemos.

(...)
Sei que defende a ideia que é necessário que a aprendizagem do Português não acabe no ensino secundário…

Sim, acho que deveria atravessar todos os programas de licenciatura de todas as licenciaturas. Deve ser uma presença permanente na formação académica e universitária de qualquer estudante porque encontramos pessoas licenciadas e até com muito valor nas chamadas ciências aplicadas ou naturais, que poderiam ter coisas interessantes para dizer em termos de divulgação científica das áreas da sua formação mas que não conseguem transmitir essas ideias porque têm lacunas muito acentuadas ao nível da expressão escrita. Há o caso de um físico português já com livros publicados que muito me desiludiu quando o li. Era tão mau que um dos erros era a confusão entre o “à” e “há” de “haver”. (...) A língua portuguesa devia ser ministrada em todas as licenciaturas de forma continuada, até porque qualquer que seja a formação há que desenvolver a competência comunicativa.
(...)


O bom e correcto uso da língua portuguesa é apenas uma das muitas motivações de Leonor Sampaio
Excerto de entrevista hoje no Açoriano Oriental

Sem comentários: