terça-feira, março 28, 2006

Croniqueta XV ou o Fífia quer ser Bernardim para o resto da sua vida

Embrulhado no seu perfume chinês, que por ser mais barato, passa depressa, o Fífia, armado em duque francês, recolhe sorrisos nas ruas, enquanto passa, qual lebre, por cima de lume a arder. Anda enamorado; veste cores claras, porque se o anunciar da Primavera, o brinda todas as manhãs com o cantar dos rouxinóis, por detrás da sua casa, bem pode ser que uma “menina e moça”, faça dele Bernardim para o resto da sua vida…
E a sê-lo quer ser de cor clara como as manhãs da estação. Nas ruas, assobia canções de amor brasileiras, ensaiando palavras amorosas para, assim que lhe aparecer a moça, se lhe estender aos pés declamando Roberto Carlos, em versão fífalhada, como só ele sabe fazer. Dobrado sobre os joelhos, tal como aprendeu nas aulas de ballet, na cave da tia Lurdes, o nosso Fífia parece um ramo de cravos murchos, passados que são 10 meses de estarem sempre enfiados no mesmo vaso. Secos. Mas não dá por isso. De flor na lapela, festejando “a liberdade dos pombos”, como diz; o nosso Fífia parece um gira-discos com as colunas viradas para fora, à mostra, como as suas duas orelhas de duende em versão xl. Porém, de nada lhe servem as orelhas grandes. Não voa, apesar do seu desejo de grandes voos e do apelido que arrasta desde a escola infantil; pior, ainda, não ouve quase nada do que lhe dizem os seus colegas, porque, além da dureza de ouvido, o nosso Fífia sofre de um mal terrível: é muito armado. Convencido das suas estratégias de engate, apelidando as meninas e as moças que encontra de “doces bailarinas do obscuro” o que as deixa de cabelos em pé, como se a determinado momento, se tivessem tornado personagens de Baudelaire, Flores do Mal. Jamais se aperceberá de que a máquina que diz que é, nestas coisas do engate, não passa de tristes figuras que faz, como se fosse, uma esponja amarela daquelas que enxugam a água que se derrama; a que fica de fora da pia.
O Fífia é muito isto; um gastador excessivo de líquidos, não lhes conhece as correntes; nunca ouviu falar de amor; mas mesmo assim, procura agir, qual D.Juan versão de 3º mundo; lendo nas páginas da Internet brasileiras, frases do tipo: Você é um universo. Di-las no seu sotaque brasileiro, que aprendeu nas telenovelas; no tempo em que as via, porque, agora, diz: "só vê os noticiários e as passagens de moda para aprender a falar e a andar". Quando, num Sábado à noite, o encontramos numa discoteca, de colar ao peito (daqueles pretos com um dente a imitar osso de baleia) a ver-se, entre a camisa de dragões a cuspir fogo, é triste ver as pobres meninas e moças que o olham estupefactas com tamanha falta de sensibilidade. Além do mais, não se pode parar muito tempo ao pé dele. Ele é todo perfume chinês; mal penteado, com conversas que não "lembram ao menino jesus"; fala em verso, algumas vezes, arrastando as sílabas, como se não sentisse as palavras que diz e, ao invés, fosse uma espécie de gravador automático. O Fífia não aprende. Nunca mais. Começo a ter sérias dúvidas de que alguma vez da sua esbelta boquinha de pinguim sairá qualquer coisa diferente das que tenho ouvido dizer que diz.
Agora, anda a ler Camões; lembrou-lhe que talvez na ilha dos Amores, quando eles cantam pela décima vez (o canto X), talvez aí, entre as Ninfas e os heróis, como ele, esteja a chave para descobrir se o assobio dos rouxinóis, que lhe cantam todos dias de manhã, desde o início do mês de Março, não lhe estará a anunciar uma ilha de amor com uma menina e moça...Para que, enfim, aclamado pelos seus fiéis seguidores (os rouxinóis!) possa enfim descansar e ser Bernardim toda a vida, já que ribeiro de asneiras, já é por natureza, desde o dia em que nasceu...