sábado, fevereiro 04, 2006

Croniqueta III ou de como Achtung é interjeição de valor




Gosto de os ver passar naquela agonia lixada dos tipos que não comem gamas, mas mastigam pastilhas. É mais fino o verbo e o substantivo. Mastigar Pastilhas. Se forem elásticas, tanto melhor. Dá para ir e vir. Mudar de aspecto, de forma. Bocejar mais fino. Mastigar pastilhas. Apertar a pastilha entre os dentes como num sussurro de segredo e meia verdade. Gosto dos espíritos desalinhados reflectidos nas gravatas amarrotadas, curtas, presas por cima do cinto, à altura do umbigo. Gosto de as ver bolorentas de desuso, por dentro de samarras e casacos, encostadas às camisas, num “toque de caixa” descompassado. Gosto de ver as gravatas tristes, apagadas das suas cores, desenraizadas das caras e dos pescoços, que as transportam. Gosto dos ares de galãs dos engravatados, mal barbeados, mal perfumados, ou ao contrário, gravatas ilustrando os figurantes.
Aprecio os diálogos de oradores, as vogais esticadas, as mãos nos queixos, o ar atinado dos cabelos, os penteados de ondas, puxadas para cima, depois para o lado, tentando cobrir faltas, como se essas pudessem ser tapadas, só assim, no couro cabeludo. As faltas.
Não gosto dos seus diálogos veneradores. Dos seus ziguezagues de salamaleque, das suas jogadas disfarçadas, dos seus bafientos hálitos, que inundam o lugar.
Às vezes, dou por eles, presos em diálogos veneradores. Dou por eles perdidos num ziguezague de ases e bês e penso que não cabem mais camisas nos cabides das cidades; que as fotografias, as poses, os repuxos doirados e a água que não cai, por se distrair com a chegada do vento e se sentir bem mais confortável, em estar sempre a mudar de rumo, não vai escoar. Vamos chegar a uma altura em que ficará parada, servindo de espelho, sem reflexo, porque feito de água choca. Resta saber se saberá reflectir; se terá reflexos ou se, pura e simplesmente, um dia flectirá joelhos e colunas em direcção ao chão, deixando, no seu lugar, em substituição, um vendaval de cabides e corrimões; de varões de cortinas rasgadas e soleiras de portas com pés gastos de entrar e sair sem nunca permanecer.
Há falta de permanências; falta de saber ficar, falta de juízos que justifiquem meios e de ideias que se juntem com palavras e sejam mais do que meras aparências de cabelos esticados ao centímetro sem precisão de ideais, mas riscos de manobra.
Há necessidade de ficar por uma ideia.
É urgente encontrar-se novas formas de conjugação do verbo ser; sem conjecturas extraordinárias ou poemas enformados, que sem valerem perdão, estilhaçam-se nos dedos dos que nos esquecemos de informar, de dizer o nome ou, pura e simplesmente, de lembrar.

PS. Os Dias Não Estão Para Isso, o escritor já avisou.
Cito emprestado o título da última obra de NCS de quem não sou propriamente amiga; (sou mais fã), mas de quem se fosse amiga, devo dizê-lo, citava na mesma e, claro, dizia que era fã e amiga...

5 comentários:

gm disse...

Sra. Dra. se me permite gosto muito deste seu novo look croniquento...eheh

Mário disse...

Mariana, leio este texto e dá-me uma vontade louca de escrever. A gaita toda é que depois vou sentir-me diminuído. Gostava de o não ter lido

Mariana Matos disse...

Mas...escreve MRoberto! ;)

Paulo Ribeiro disse...

Também estou farto. Farto de faz-de-conta, de imagem, de parecer. Quero ideias, opiniões sinceras e verdade. Estarei no planeta certo?
Parabéns. O texto é excelente!

Mariana Matos disse...

Achas que este texto representa a Assembleia Regional?
A interpretação de texto é um direito, salvo raras pretensões hermenêuticas, ou mesmo de índole metafórica, Livre.
Não, querido primo, não tinha chegado da Assembleia. Escrevi-o num Sábado...Lutava "desesperadamente" para não fumar!