quinta-feira, janeiro 26, 2006

O caminho percorrido

O J. é meu colega de trabalho. Não tem ainda 40 anos, é casado, com dois filhos e, porque as suas responsabilidades lhe permitem trabalhar por turnos na fábrica, faz, tb, trabalhos de jardinagem nas horas livres e cansadas.
Hoje numa conversa de corredor ao coberto do barulho das máquinas, a propósito das reformas ofensivas de políticos, e de gente de confiança política, que passam por governos e pela banca, o J. chicoteou-me de volta à realidade com a história do seu pai com 69 anos e uma pensão de 42 contos (antigos), a sua mãe com 64 anos e sem direito a nada por nunca ter trabalhado, excepto, claro, o ter tomado conta de uma casa com 9 filhos, “todos machos”. Uma casa pobre dividida por um corredor, de um lado um quarto, onde dormiam os pais e do outro a cozinha de chão de terra batida, onde chegaram a dormir, num dos cantos, os 9 rapazes, às vezes 4 por cama de molas, “2 para lá, 2 para cá”.
O J. tem os dois filhos na escola, ajuda a mãe na compra dos remédios, tem uma casinha, um carro, vai ao hiper e conta os trocos até ao fim do mês, mas está a Km de distância da vida que teve quando cresceu na casa dos seus pais.
Ele ouve dizerem que no país está tudo mal, nos Açores está tudo mal, a democracia não funciona, a autonomia não funciona e ele concorda com quem diz tudo isso, encoraja quem protesta contra tudo isso, mas não acredita em nada disso pq ele conhece o caminho que percorreu desde que jantava uma sopa aguada 7 dias por semana e adormecia dividindo a cabeceira com as “patas” sujas dos irmão do “lado de lá”, debaixo de uma coberta húmida de passado e curta de futuro.

2 comentários:

gm disse...

Penso que percebi essa contradição do sistema. Mas talvez haja alguma solução científica!!
Primeiro estabelecíamos critérios para a definição do que deve ser o bem-estar colectivo no sec. XXI.
Depois, interessante será avaliar qual o real contributo da autonomia para o bem-estar do J.(foi por causa da autonomia, não foi, exclusivamente, em conjugação com quê, que a colectividade mudou nos últimos 30 anos?).
Finalmente, poderíamos perspectivar sevai ser por causa dela que vamos estar ainda melhores nos próximos 30?
Linhas aparentemente simples... eheh ;)

Anónimo disse...

Excellent, love it! » »