sábado, janeiro 28, 2006

Amandar ou a falta que faz um cigarro - (a)variações às 3 da manhã


O vento é uma espécie de onda de lume sem asas; um mascarado do tempo, um louco, que asfixia a ventania, quando, porque narciso, se quer ver sozinho, diante do espelho de água, depois da tempestade.
O vento carece de segredos, porque os sussurra à brisa, quando, às sextas-feiras à noite a quer engatar para levar ao baile de Carnaval. Vestido a rigor, de peúgas vermelhas até ao joelho e chapéu à dandy, o vento, no seu sapato polido e gravata bem amarrada, dá ares de Shakespeare num To be or not to be, bem ritmado, mas mal decorado e mal pronunciado. Fanhoso, derruba as palavras, como se as cuspisse, julgando-se grande, porque é vento… e está disfarçado de Tempo. Mau Disfarce.mau tempo. minúsculo. azedo. chuvoso e frio. apanha-nos desprevenidos num ziguezaguear de guarda-chuvas e gabardines. Descarado, avarento, rude. Aparece derepente...por ele era Carnaval todo o ano.

Não passa de um mascarado do Tempo ou de Tempo. De ar ventoso, mal barbeado, como os sujeitos da baixa, de carteira debaixo dos braços e vozes sibilitantes, engatando as moças com frases tiradas dos almanaques à venda na “Roda da Sorte”, a tabacaria que dá dinheiro até à morte. Como sopra, meu Deus. Deselegante. Sorve a chuva e faz barulho como os tipos das cervejarias à beira da rua, com as meias brancas turcas a aparecer atrevidas na beira das calças, sorvem a "spita" ou como mastigam a asita de Pipi e se lambuzam com a cerveja.

O vento não tem nome. É António e mora numa casinha em São Roque. Tem uma mota de caixa e um capacete de pala verde e cor-de-laranja, comprado no "Jordão", antes da loja se tranformar em Restaurante. Ou então chama-se Maria Ivone e vende gravatas e boxers para os namorados que no dia 14 de Fevereiro vão receber cuecas aos corações. O vento chama-se qualquer coisa Silva e é português, mora em sítios todos e aos Domingos veste as calças Levis da Feira e os Ténis ( se em Lisboa); as sapatilhas ( se em Ponta Delgada) e é um tal galgar centros comerciais com a Bola debaixo do Braço e a mulher à vista de dois assobios: Onde vais, Judite, que eu não ganho para isso!

O vento é um bébé de berço. Um Martim. Um Tomás ou um Rodrigo se tiver agora uns dois ou três meses. Uma Inês. Uma Maria ou uma Sofia se for menina. Uma Vanessa. Uma Micaela ou uma Lissandra se agora tiver 6 anos. Um Miguel. Um António ou um Hugo se andar pelos 10 anos.
Sabe de cor os desenhos do Panda, os jogos todos das PS2 e por aí fora; as roupas novas da Barbie, as escovas de esticar cabelos...O vento é um mascarado do tempo. Já disse.

É um bailarino. De fato Branco e camisa Preta. Apologista do "Todos diferentes todos iguais"; eleitor. votante. Tem partido. É militante. Sabe dos seus direitos.

O vento é um monsieur de saxofone, um tocador de trombone, um menino que vende gelados no Rossio, um cão que ladra, uma tigela que rola no jardim e bate na tijoleira sem nos deixar pregar olho; um pescador; um blogger de blog em branco porque
opá não tenho ideias.

Um escritor de versos tristes e bóina. Um amador de Teatro de bochechas pintadas e dentes pretos; um dentista; um médico; um navegador. O vento tem qualquer coisa de ti, de mim, da gente.Um gesto, um feitio, um rebuliço, tocador de piano; às de espadas, produtor, ensaiador. O vento é um Don Juan. Quando ele chega com o seu passo doble pausado, o seu olhar caliente, o seu charme a derramar, eu ai sofro, sofro, sofro, mas não lhe dou atenção. O vento é tolo de vaidade.

O vento é cultural. Lê livros. Vai a Exposições. Cinemas. Teatros. Varre tudo, espreita tudo, cita este, cita aquele; escreve, dita, não copia. O vento não é plagiador. É artista. E é vê-lo declamar nas manhãs de nevoeiro. Nuvem a nuvem, mancha a mancha cada palavra um sinal de que é vento, vendaval, ventania, ventoso
a (in)ventar.

Faça chuva. Faça Sol. O vento é vento de Tempo mascarado. De fato vestido pronto para ensaiar, administrar a orquestra das Flores, das árvores, dos nossos cabelos que leva pelo ar. O vento é o frio que fica quando morremos daqui e nos abrimos à descoberta do céu, deixando espaços vagos no Livro do Destino, que como diz o cantor, às vezes tem erros de impressão.

O vento é leitor de jornais. Lê-os todos. Vê a Sic, a Tvi, a 2:, o canal 1; a RTP/A, a TVNET; ouve a RDP, a TSF; a Atlântida, a Horizonte, todas, tudo. Ler jornais é saber mais. Ele acredita. Vai à missa. Igreja adentro. Cabelos despenteados. Ouve a Palavra. Conhece-a. Deus por ti, seja louvado. Amen. Sabe Latim. Distingue. Latim de latino americano. Não se dá a gaffes dessas. Estuda. É atinado.

O vento é um mascarado do tempo. Este encosto na escrita.Esta vontade de dizer muitas coisas e, no fim, não dizer coisa nenhuma. Devotos. Às voltas. Os Votos. Revoltos. Pasmados. Atentos. Sedentos. Curiosos. Esse. Essa. Aquele. O outro. Sussuro. Vento. Mascaro-me de tempo e voo. Sou vento. Ando. Andarilho.
- A tua ilha fica em que andar?
Não sei. Não anda. Desanda. Tresanda. Amanda.
- Amanda? Mas isso é verbo?
Não. É nome. Amanda. Este Carnaval vou mascarar-me de Amanda!
Mas como?
Vou amandar-me como o vento…

Já são 4 da manhã. O vento continua "resaluto", soprando...inchado de orgulho, bate nas persianas, empurra a relva que está grande. O gato Canoa suspira. Não há noite que possa dormir descansado sem levar dois ou três açoites da Rosa que temos plantada ao pé da porta...
Uma chatice.
O vento é um mascarado.
Troça de mim. Faz-me num oito. Acaba comigo.
Embaraço. Desfaço o laço. Traço. Baço.
Não tenho aço.
Não caço. Não faço.

2 comentários:

Mário disse...

A madrugada foi-te propícia. Belo texto.

Anónimo disse...

Where did you find it? Interesting read » »