sexta-feira, dezembro 23, 2005

Receita para acreditar no Velho de Natal

velho de natal Posted by Picasa


Peça-se emprestada ao Super-Homem, a capa; ao Homem Aranha, as luvas, aos três porquinhos, a coragem e ao Zorro, a espada.
Esqueçam-se os problemas, as chatices, as pessoas perdidas, as tristezas, que nos enfraquecem os ossos e doam uma certa melancolia às nossas vidas. Tenha-se a coragem de existir e insistir pelo que fomos, somos e seremos.
Peça-se à Carochinha, o caldeirão; ao João Ratão, o amor; à Branca de Neve a inocência, à Gata Borralheira, a sorte e faça-se a sopa mágica - um caldo saboroso, que nos possa devolver a capacidade de sonhar e a certeza de que o velho de Natal, como o coelho da Páscoa, a fada dos dentes, o Peter Pan, os duendes e os gnomos são pessoas importantes, que não vestem fatos de gala ou vestidos brilhantes, não fazem grandes discursos nem têm conversas chatas, não aparecem na Televisão nem nos Jornais, mas são fundamentais. Expressões de um tempo, em que os aniversários das bonecas e a chegada dos carros em corridas inventadas nas pistas de plástico e rampas de madeira eram tão importantes como os anos da mãe, a compra do carro novo do pai ou o dia 25 de Abril. É essencial que se chegue ao tempo dos adultos com o coração cheio de experiências e a alma bem lembrada dos jogos de cartas, das vozes que vêm por dentro, daqueles que, em tempos, nos acudiram as quedas, nos enxugaram os olhos, nos ofereceram sorrisos, nos marcaram o passado com palavras e momentos, como se fôssemos navegar e, dentro do navio, o comandante acenasse ao presente e ao futuro com pastas de papeis, onde trouxesse registados os golos, os apitos do árbitro, os gestos abertos dos campos nas fases todas da vida.
Lembrem-se as corridas de patins, os mergulhos ensaiados, as gargalhadas dadas, entre uma colher de sopa de ervilha, e uma maluquice do avô, cuja função, ali, era fazer-nos acreditar que era um tocador de flauta famoso, que iludia as formigas e as levava ao baile de fim de ano.
Faça-se uma árvore de Natal como a da mãe. Cheia de bolas e fios e luzes e anjos pendurados nos galhos, dentro da árvore, guardados, turno a turno por duendes que dormiam nos ramos, com os seus chapéus às cores e os coletes de lã, bordados com os seus nomes: David, Isaías, Simão (qual de vós me dá a mão?)Sacuda-se o peso amargo dos anos. Das muitas saudades dos outros, dos tempos descompassados, das feridas abertas nos olhos e das dores que ardem nos corações.
É preciso deixar de ser triste e lembrar que somos sempre dos tempos dos outros, embrulhados em saudades de papéis multicolores e laços.
É preciso inventar-se flores falantes: Margaridas que abram as pétalas de alegria. Rosas que tragam novas formas de comunicação. Jacintos que se lembrem dos piões, dos berlindes, dos anões da Branca de Neve, num desfile, passo a passo, linha a linha, de perfumes e sinais. Querer-se o Polegarzinho e o Pinóquio não é delírio é feitio e urgência em querer criar novas maravilhas.
Acredito que o tapete do meu quarto voa. Acredito que as cortinas conversam à noite e que estão tristes porque se lhes desfiou o laço que, durante anos e anos, as aguentou suspensas, sem tocar no chão. Travam agora novas amizades. Acredito que a noite é filha da lua e do sol e, que o seu lado obscuro, herdou da veia paterna.
Acredite-se no velho de Natal. Tenha-se a coragem de pensar que os embrulhos, as ofertas, as gargalhadas, os sorrisos, os caramelos, as bolachas, as luzes que se vendem em caixas e iluminam as portas, as janelas, as ruas, os andares, as montras, as casas são importantes para a construção de pensamentos sãos nas mentes dos meninos e das meninas das nossas terras.
Eu acredito francamente que, durante, anos a fio, enquanto estávamos jantando com a mãe, o velho de Natal, chegou à nossa casa, deixou os nossos brinquedos, debaixo da nossa árvore, bebeu aguardente com o pai, comeu do bolo de Natal e foi para outras casas, fazer o mesmo com outros pais, avôs e amigos, como acredito que, em noites de fim de ano, enquanto eu na minha casa com a minha família e amigos, como caldo de peixe, o meu avô, que já não vejo há tantos anos, que perdi a conta, põe o chapéu de tocador de flauta, pega nela e leva, uma a uma, as formigas todas, em carreiro, nos seus trajes de cerimónia e sapatos de verniz, rumo ao baile de fim de ano, onde se encontram as moscas, as abelhas e os caracóis. Dançam toda a noite até ao dia 1 de Janeiro, de madrugada. Eu acredito no Velho de Natal.
Um Bom Natal para todos.



Fajã de Baixo, 19 de Dezembro de 2005

Mariana Matos


Publicado no Suplemento de Natal do jornal Açoriano Oriental

2 comentários:

Caiê disse...

Eu não acredito, mas incentivo os meus amigos a acreditarem ... Queria eu acreditar! ;)

Boas Festas! :)

Mariana Matos disse...

Já está :)
boas festas!