quarta-feira, dezembro 28, 2005

Exercício d´escrever

Gaivotas Posted by Picasa


[Aqui estou eu. Sentada. Como o resultado do vento soprado na almofada entre a queda dos dedos sobre os olhos, quando a cabeça parece que estala, ou quando, em visita nos cansamos de estar sentados diante de todos sem nada para dizer. O combinado do texto não era nada disto. Penso.]
-Recomeça a escrever como se as tuas palavras tivessem asas e sabores e fritassem no tom imediato de um óleo de primeira mão, de frasco amarelo. Não. Publicidade não. A mim não me preocupam as marcas. A ti também não.
- Mas, olha: vi um dia numa cervejaria do centro da cidade. ( também não digo o nome) Um homem e uma mulher sentados como se sentam as pessoas incomodadas com a presença dos outros, muito calados, muito direitos, com as pernas muito sentadas nas cadeiras e os casacos pendurados e os cachecóis nos pescoços, porque se sentia frio dentro do estabelecimento apesar do fumo e das pessoas todas às gargalhadas e das janelas fechadas e de um certo calor humano.
[Imagina que nada disso se tinha passado e tu tinhas viajado e havia no sítio aonde tinhas ido muitas borboletas que falavam]
- Que estupidez. Oralmente, nenhum animal se pronuncia. Esqueceste tantas vezes dessas regras e depois personificas os bichos como se fossem aquelas pessoas que vi na Cervejaria e que não falavam, mas que tinham os cachecóis ao pescoço e eu percebi que era do frio, que dá nos ossos, quando não há muito mais a dizer, senão vai-te embora.
[Olha o que estás a fazer. A comparar as pessoas com os bichos].
[Ontem comprei três livros. Não sei bem o que me deu. O Natal acabou agora e a família, sabes como são os familiares, acham que gostas de ler e dão-te livros. Tive imensos. Muitos mesmo. As pessoas não entendem que os livros são como os perfumes.]
- Comprei um livro este Natal de um escritor famoso. Fala bem, mas não me alegra e depois o livro está todo cheio de citações sem aspas, percebes e uma pessoa olha para aquilo e vê que: “Wow man!”, -como dizem os americanos!- Isto é plágio, mas está lá tudo ou estão lá todos: Fernando Pessoa. Herberto Hélder. Ruy Belo. Parece que o título não devia ser aquele que vem na capa. Mas antes qualquer coisa a atirar para: Os meus poetas preferidos. Pensamentos dos outros. Enfim, sei lá, qualquer coisa, menos esse título, que tem e que já virei para dentro na estante.
[devias escrever para a Editora.]
- Achas? Só se estivesse doida. Iam dizer que era mentira. E depois o escritor até está nos tops.
[Eu percebo. Mas tens que me mostrar essa peça literária.]
- Certo. Mas conta-me então essa história que ias começar.
[Já não me lembro muito bem. Havia qualquer coisa de combinado de um texto que tinha que escrever para uma revista, mas que não era nada disto. Há bolas e balões pendurados nas entrelinhas do texto; um dias destes, garanto-te, vou escrever uma história infantil daquelas que metem árvores falantes e coelhos que riem das suas figuras em espelhos brancos. Vou escrever da tristeza dos versos derramados no papel branco e da lua vidrada nos pés das plantas, quando à noite, as gaivotas passam de chocalhos nos bicos e anéis nas asas para casar com os cometas. Mas fica para outro dia…]
- Gaivotas casadas com cometas? Tu e as Gaivotas….
[Não sabes? Diz-se do céu das gaivotas que é do tamanho das ilhas e que a massa circundante é toda feita de água e sal. À noite enche-se de ondas para delícia destas damas, que vestem os seus biquinis e dão mergulhos brilhantes. Há quem diga cá por baixo que cada exibição: vale uma estrela cadente!]
- Tens a certeza?
[Tenho]

Maria Amaro

1 comentário:

Caiê disse...

Maria Amaro, "oralmente, nenhum animal se pronuncia"?