segunda-feira, setembro 05, 2005

Porque Escrevo?

"(...)Escrevo porque acredito na força militante das palavras. Nunca fui nem serei homem de convicções religiosas porque feriria as minhas convicções morais, mas do cristianismo resgato a magnífica afirmação que diz "primeiro foi o verbo", verdade jamais teológica mas gramatical, porque a palavra é por si só um acto fundacional e as coisas existem à força de serem nomeadas.
Durante os anos negros da ditadura no Chile, os resistentes cantavam uns versos de Paul Eluard: "Escrevo o teu nome nos muros da minha cidade", e a Liberdade existia para além da memória imediata, para além do desejo fervoroso de a recuperar, para além da dor provocada pela certeza de tanta morte em seu nome. Existia com toda a sua deslumbrante vivência porque, cada vez que alguém a nomeava, a inventava novamente.
Escrevo por amor às palavras que amo e pela obsessão de nomear as coisas a partir de uma perspectiva ética herdada de uma prática social intensa. Escrevo porque tenho memória e a cultivo escrevendo acerca dos meus, acerca dos habitantes marginais dos meus mundos marginais, acerca das minhas utopias escarnecidas, acerca dos meus memoráveis companheiros e companheiras derrotados em milhares de batalhas, e que continuam preparando os próximos combates sem medo das derrotas.
Escrevo porque amo a minha língua e nela reconheço a única pátria possível, pois o seu território não conhece limites e o seu vigor é um acto constante de resistência.
Escrevo da barricada solitária de inventor de mundos e, como dizia Osvaldo Soriano, "da responsável satisfação daquele que sabe ser convidado a habitar o coração das melhores gentes".


LUIS SEPÚLVEDA, in "O General e o Juiz",Edições Asa, 2003