terça-feira, fevereiro 04, 2014

Prefácio do livro "Navegação Interior – pequenas histórias" da autoria de Tomaz Borba Vieira.

Prefácio

Podemos, como Marcolino de A Encomenda nas páginas desta Navegação Interior, insuflar uma figura com a própria alma, mas num livro que não é só um livro, que é também um revirar de vidas, uma enorme coleção de palavras e dos seus significados, para além de nos permitir “passar para o lado de lá da barreira” devemos também descansar nele, enchê-lo de nós próprios e lê-lo com a (legítima) sensação de que lhe pertencemos, como um filho a uma mãe ou tinta à tela.
O leitor que virar as suas páginas vai encontrar certamente numa rua, num desenho ou entre ações, um motivo, um detalhe ou um acontecimento para sorrir e recordar aquilo de que somos feitos, tudo o que trazemos connosco, o que ficou separado (não desperdiçado) e esse gosto enorme de pertencermos aos sítios, a algumas pessoas (com liberdade convicta) e mesmo a páginas de outras histórias.
Um livro – este livro - é a aprendizagem do lado de lá das palavras, do seu avesso, do que a caneta pincelou para quebrar o branco tímido das folhas de papel que aqui são tela e vela para navegar no interior.
A magia dele está também no facto de ter personagens diferentes de porto em porto, riscados a traço firme como quem desenha contando com a braveza do mar.
O barco de Tomaz Borba Vieira vai salpicado, molhado, enterrado nas ondas grandes do mar, umas vezes consome o leitor, outras liberta-o, para no fim o deixar entre nós. Amarrado e não preso.
Ancorado.
Aqui e ali os modos (e os feitios) de representação do real confundem-se nesta aventura marítima que é viver, indo de um lado ao outro da nossa parte sentimental, de memórias afetivas, de imagens de passado, de desenhos, de cenários universais, mesmo concretos ou mesmo abstratos.
A tendência de nos envolver nos conteúdos faz-nos estar nos lugares, entrar nas salas de aula, fazer os desenhos, atravessar a Rua Cavaleiro Oliveira.
            Se provas fossem (ainda) precisas elas estavam aqui. Um livro como um quadro deve revirar a nossa vida, trazê-la aos significados múltiplos que vamos tendo, à medida que crescemos e envelhecemos, por dentro e por fora, na capa e na contracapa, no espaço e no tempo, no meticuloso cuidado que vamos ganhando à medida que nos vamos abandonando de umas e de outras certezas.
Este livro acompanha-nos como o rasto de um barco no mar, entre a espuma, com peixes ou sem eles, como os amigos que nos faltam ou que se chegam, poisando tão levemente nas nossas eternidades, quais Serafinas ou Serafins.
Uma aventura. Este livro.

Mariana Matos

Dezembro de 2012