segunda-feira, junho 16, 2014

"Já conhecíamos uma proposta alternativa? Não?!"


Não há nada que saber, os diagnósticos estão todos feitos! “A economia açoriana precisa de ser mais competitiva e de criar mais emprego!” - La Pallisse não diria melhor.

Como é possível materializar este objetivo, é o verdadeiro “busílis” da questão e que deve verdadeiramente diferenciar o projeto de cada partido político. 

Tradicionalmente na vida política Açoriana, sobretudo ao nível da nossa oposição parlamentar, a crítica sobrepõe-se à propositura e o ataque pessoal prevalece sobre a discussão de ideias. É este o estado da nossa oposição parlamentar – bem enquadrada na definição de Einstein sobre as pessoas que discutem eventos e pessoas. 

Talvez por isso, para além da confiança que os açorianos têm no atual executivo regional, a oposição parlamentar tem vindo, sucessivamente, a piorar os seus resultados em eleições. 

Estarei a ser parcial? Reconheço que esta crítica me pode ser feita, pois sou do Partido Socialista e apoio o Governo dos Açores, mas factos são factos e constatam claramente o que afirmo. 

O Governo dos Açores desde que tomou posse, como é do conhecimento geral, tem implementado sucessivamente soluções e medidas que visam proteger as famílias e as empresas da austeridade, da crise e estimular o crescimento económico e a criação de emprego. São vários os exemplos destas soluções: Carta de obras públicas; linhas de crédito empresariais; Agenda para Competitividade e Emprego; novo Programa Operacional 2014-2020; Agenda Tecnológica para os Açores; programas de emprego e formação, o novo sistema de incentivos Competir +, entre outros – que comprovam, indiscutivelmente, a vontade e a capacidade do Governo dos Açores, liderado por Vasco Cordeiro, de intervir sobre esta matéria. 

Da nossa oposição não se conhecem alternativas. Aliás, tornaram-se especialistas em discutir as medidas do Governo, em vez de trazer ao debate as suas propostas. 

Relativamente ao PSD, não podiam ser mais paradigmáticos os sucessivos falhanços técnicos das suas propostas – como aquela que foi obrigado a retirar do parlamento, por ter percebido que tinha apresentado a prospeção de petróleo e de carvão como a solução para o desemprego nos Açores – revelaram-se traumáticos para o seu líder e para o seu grupo parlamentar que nunca mais arriscaram uma proposta concreta, com medo de se espalharem, outra vez, ao comprido, ao vivo e a cores no plenário. Aliás, chega a ser constrangedor, observar a fobia que têm ao concreto da propositura, resumindo-se ao partido da recomendação de generalidades ou do “mais um bocadinho”. 

É preciso termos novas empresas que criem emprego? - O PSD recomenda ao Governo que crie ninhos de empresas em todas as ilhas. Como? Isso é um problema – dizem eles - que diz respeito ao Governo e não à oposição, “nós apenas recomendamos”. 

O Governo aumenta o Complemento ao Abono de Família - O PSD acha que é pouco e propõe aumentar “mais um bocadinho”. 

Foi no debate sobre o sistema de incentivos à competitividade empresarial (Competir +) que mais se notaram as dificuldades da oposição. Este era o debate, por excelência, para se discutir os projetos e as ideias de cada partido político, para promover, na economia Açoriana, o aumento da produtividade e competitividade, a especialização, a criação de valor acrescentado, a capacidade exportadora da nossa economia e a capacidade para as nossas empresas criarem emprego. 

Da oposição, pouco ou nada se ouviu! Não apresentaram um único caminho alternativo! 

Do BE, acelerando o seu caminho para o abismo político, pouco se percebeu, para além de uma tentativa pueril de fazer um número mediático para as televisões; do PCP compreendemos o habitual ensurdecedor dogmatismo, e do PSD, o problema da “conformidade jurídica do diploma desvalorizar o poder legislativo”. 

É pouco para a oposição? É! 

É desqualificante para o debate político? Também é!

segunda-feira, junho 02, 2014

"OS FANÁTICOS E OS FOFINHOS!"


"Ondas de choque das Europeias"

Passada uma semana das eleições europeias, as ondas de choque provocadas pelos seus resultados ainda se fazem sentir. Na maioria dos países europeus, com honrosas excepções, a direita e os partidos extremistas - ditos, anti-sistema, anti-Europa ou nacionalistas (pseudo-independentistas) -, ganharam as eleições.

Qualquer observador menos atento poderia ficar intrigado com facto dos partidos de direita continuarem a constituir o maior bloco de deputados do Parlamento Europeu, apesar dos resultados desastrosos das suas políticas, sobretudo a nível social. Após uma análise mais atenta ao espectro político europeu, estes resultados são perfeitamente naturais e até constrangedoramente compreensíveis . Nestas eleições europeias, infelizmente, estiveram em debate apenas dois caminhos: o que preconiza a inevitabilidade da austeridade enquanto rumo para o crescimento económico e, um outro, não organizado, mais anárquico, cujo objecto apresentado aos eleitores é exactamente o fim da razoabilidade política e sistémica apresentada pelos tradicionais partidos, ditos do "centrão".

A resposta para a pergunta sobre a razão da estrondosa derrota dos partidos socialistas democráticos e sociais democratas, está, exactamente, na dificuldade que temos em enquadrar os seus programas eleitorais numa destas alternativas.

Os partidos sociais-democratas (chamemos-lhes assim, na sua versão europeia onde se inclui o nosso PS) preconizam também a inevitabilidade dos sacrifícios, da reforma das instituições, entenda-se, pela sua redução de importância ou de peso na economia. De alternativa ou de mudança, apenas conhecemos os slogans eleitorais, pois apresentam-se, de uma forma pouco perceptível, como os partidos da austeridade ténue, ou da austeridade mais "fofinha", cujo objectivo último de redução, do papel do Estado e do peso do factor trabalho é o mesmo da direita, variando apenas a forma e a intensidade.

Os resultados eleitorais na União Europeia e, especialmente, em Portugal, revelam exatamente que os Europeus, revoltados com a situação que estão a viver, confiam mais nos partidos da direita austeritária e nos partidos anti-sistema, do que na social-democracia tímida e pouco compreensível.

A resposta ao perigo da Deflação

Se dúvidas houvesse sobre o que está mal na União Europeia e nos seus protagonistas políticos a resposta à possibilidade de deflação na zona euro, pela parte das suas instituições, é disso um exemplo paradigmático.

Há mais de um ano que os economistas avisam para o perigo de uma baixa generalizada de preços na zona euro, liderada pelos países do sul, com a possibilidade de consequências gravíssimas ao nível do emprego e da competitividade das nossas exportações. A valorização do euro e a descida generalizada de preços são sucessivamente desvalorizadas pelos nossos políticos e dirigentes, todos eles nascidos e criados numa época onde a inflação arruinava as economias e o poder de compra das famílias. Aliás, ainda hoje, quando se fala em deflação, apesar dos graves danos por ela criada na crise de 2008 nos países do sul da Europa, muitos políticos sorriem ignorantemente, pensando, com indisfarçável egoísmo, no aumento do poder de compra das famílias. Ora enquanto a inflação "mói", a deflação mata - "as famílias adiam o consumo, os empresários o investimento, conduzindo a economia ao que se chama depressão (i.e., período de tempo longo, caracterizado por elevado desemprego, baixos níveis de produção e de investimento, número elevado de falências de empresas e baixos níveis de confiança dos agentes económicos)."

Mas perante este risco o que podem as instituições europeias fazer?

Ao meu caro leitor respondo, dizendo, que apesar dos manuais de economia serem muitos claros sobre esta matéria, a pergunta está mal formulada, devendo antes ser enquadrada assim:

O que estão as instituições europeias disponíveis a fazer para evitar o risco de deflação?

As taxas de juros referência já estão em valores mínimos históricos, podendo baixar, inclusivamente, para valores negativos, mas sem grande efeito na economia, pois já estamos a falar em valores na ordem da décima de ponto percentual. O BCE afirma agora que está disposto a mutualizar a dívida resultante dos investimentos das empresas na economia, através de instrumentos financeiros complexos, como forma de garantir o acesso das pequenas e médias empresas ao crédito e, com isto, estimular o investimento e o consumo provocando alguma inflação.

Ora, esta nova política não só é completamente absurda e irresponsável, como é atentatória da própria lógica da União Europeia. É uma insanidade, achar que os instrumentos financeiros complexos que nos levaram à Grande Recessão, em 2008, não nos levarão, nesta nova versão garantida pelo BCE, aos mesmos resultados do passado.

Também me sinto "gozado" enquanto português e desiludido com o facto do BCE estar disposto a mutualizar, com risco, a dívida de privados que não conhece e, por sua vez, não esteja disposto a mutualizar a dívida do meu país, propiciando, assim, mais crescimento económico e uma redução da austeridade para os cidadãos.

Somos governados a nível europeu por um pequeno comité dos grandes países, onde mandam, sobretudo, os interesses da Alemanha e dos tecnocratas e onde os outros países não batem o pé.

Infelizmente não há alternativa política razoável para nada, por falta de comparência da verdadeira social-democracia, por falta de protagonistas à altura, podendo significar, no médio prazo, o fim do projecto europeu.

segunda-feira, maio 12, 2014

Uma Cidade adiada!

Bem sei que a Câmara Municipal de Ponta Delgada se encontra em dificuldades financeiras, mas este facto não justifica, por si só, o autêntico marasmo em que o concelho se encontra. 

Após uma campanha eleitoral que prometeu um novo desígnio e um novo estilo para Ponta Delgada, pouco ou nada se viu de novo, para além de um inegável estilo low-profile do seu Presidente, que contrasta positivamente da sua antecessora. O atual Presidente de Câmara é um homem sério, ninguém o nega, mas muito mal estamos nós em democracia quando este facto basta para qualificar a ação de alguém na atividade política. 

É preciso mais! Ponta Delgada é uma cidade parada e um concelho abandonado, em que os dias passam devagar, em inércia absoluta, em que a atividade da Câmara pouco mais se resume do que inaugurar obras da sua antecessora, a cerimónias de entregas de diplomas, a pequenos apoios a associações locais ou a uma boa programação cultural no Coliseu Micaelense. 

Ponta Delgada pode ser muito mais do que isto e não é preciso gastar nem milhões, nem os poucos tostões que o Município ainda tem. Falta imaginação, capacidade de inovação e de decisão! É necessário centrar as atenções em pequenos investimentos modernizadores que possam ter um efeito multiplicador ao nível da qualidade de vida das populações e na vida das micro e pequenas empresas. 

Ponta Delgada pode ser uma cidade de referência no Atlântico pelo seu potencial de relacionamento com mar, em todas as suas vertentes. Apesar de todo este potencial, a cidade e o concelho continuam de costas voltadas para o mar, como que se estivessem à espera, num típico “sebastianismo beato”, que uma outra entidade tomasse a iniciativa. 

O PS de Ponta Delgada já o fez por diversas vezes e com pequenas propostas concretas, exequíveis e baratas. Propôs, por exemplo, que a agenda cultural e recreativa do Município fosse feita com uma antecedência de dois anos, beneficiando, sobretudo, a época baixa, para que os agentes turísticos e culturais possam programar a sua atividade e, com isso, reduzir a sazonalidade e gerar mais riqueza junto das nossas micro e pequenas empresas.

E propôs, também, um pequeno investimento, praticamente todo financiado por fundos comunitários, “que altera o perfil da atual circulação rodoviária, ciclável e pedonal no troço Sul entre a zona do edifício do Clube Naval de Ponta Delgada e a entrada para Avenida do Mar.” Sobre estas propostas o município nada disse, nem nada fez. 

O comércio tradicional continua em enormes dificuldades e a Câmara desperdiça, como se nada fosse, o potencial de riqueza gerado pelo desembarque em navios de cruzeiros, nas Portas do Mar, de mais de 80.000 passageiros ano.

Não é uma ideia nova, nem extraordinária. Será que já fizeram as contas e verificaram que cada passageiro gasta em média, num desembarque, 97,40 euros e cada tripulante 21,5 euros, podendo gerar um ganho potencial de perto de 7 milhões de euros, sem um grande investimento do município? 

Qual é o atual retorno para a cidade? Que parcerias devem ser feitas?

O município não tem as respostas porque nem sequer faz estas óbvias perguntas.

Falta ter uma ambição, um mote, um objetivo para o Concelho, que, honestamente, ainda não consegui descortinar no atual projeto.

Ponta Delgada não tem de continuar a ser uma cidade e um concelho adiado.

domingo, maio 04, 2014

Ai meu DEO! Que nos desgraças!


Da minha Esquina...

Na passada quarta-feira a Ministra de Estado e das Finanças anunciou, numa longa conferência de imprensa, que o Governo, em 2015, iria devolver aos pensionistas e funcionários públicos parte do rendimento perdido nestes últimos três anos.

Segui atentamente a exposição da Ministra tentando perceber que milagre económico era este que permitiria devolver 20% do rendimento “subtraído/cortado” aos funcionários públicos e extinguir a contribuição extraordinária de solidariedade. Não fazia sentido, pura e simplesmente, tanta “benesse” aos eleitores, apesar de estarmos a menos de um mês eleições europeias. Ora, como o Governo da República não tem folgas orçamentais como não se cansa de anunciar, nem descobriu nenhum poço de petróleo no país - apesar dos seus colegas de partido nos Açores apregoarem que sim - logo estes anúncios “tão benévolos” tinham de ter um “truque”.

Nestas matérias nada como recorrer à matemática e ao Documento de Estratégia Orçamental (DEO), página 43, apresentado genericamente pelo Governo e fazer umas “continhas”.

Analisando o quadro resumo das medidas de consolidação orçamental para o ano de 2015 verificamos que, de facto, o Governo disse a verdade: vão devolver aos funcionários públicos e aos pensionistas 225 e 660 milhões de euros, respetivamente.

“Mas com a verdade me enganas!” - Já diz o ditado - pois o Governo também anunciou uma poupança de 1.378 milhões de euros fruto de umas pequenas alterações dos impostos e taxas e de um corte nas despesas e gorduras do Estado.

Mas todos estes dados são apresentados de uma forma enviesada, com objetivos notórios de provocar uma impressão contrariaria à realidade, senão vejamos: o valor em cortes aos funcionários públicos e em aumentos de impostos para 2015, não é de 1.378 milhões como anunciado, mas sim de 2.284 milhões de euros, aos quais deduzem a tal “devolução” de 225+ 660+21= 906 milhões de euros.

Ou seja, na prática, o Governo não só não vai reduzir a austeridade, como esta irá aumentar, com todos os seus efeitos recessivos, junto das empresas e das famílias.
Mas como é que esta austeridade será feita?

Em primeiro lugar, através de medidas diretas, algumas anunciadas no início do ano, como o aumento das contribuições para a ADSE e outros subsistemas (75 milhões de euros), outras, no DEO, como o aumento de contribuições para a previdência social em 0,2 p.p. (100 milhões de euros), o aumento de IVA em 0,25 p.p., (150 milhões de euros) ou o aumento da Contribuição de sustentabilidade (372 milhões de euros).

E em segundo lugar, através de cortes nos consumos intermédios do Estado (537 milhões de euros). Uma breve nota antes de os especificar – mas ao fim de três anos de cortes e mais cortes, que arruinaram o país, a classe média e as pequenas e médias empresas, agora é que se lembram em cortar em alegadas despesas de telemóveis e em estudos e consultoria!!!????

Infelizmente não funciona assim. Quem conhece a máquina do Estado sabe que está muito depauperada e que estas poupanças têm, geralmente, um efeito mais nocivo do que benéfico na despesa pública, pois, geralmente, traduzem-se em reduções de outsourcings a pequenas empresas locais, que geram emprego e, na perda de qualidade na decisão dos responsáveis da administração pública.

Mas o maior problema está no que o Governo não disse, escondeu ou não quantificou. O emprego público vai diminuir, ou seja, mais portugueses sem rendimentos, outros serão requalificados, reposicionados, perderão suplementos remuneratórios ou aposentados, o que também quer dizer menos rendimentos.

As indemnizações compensatórias para as empresas de transportes diminuem, o que quer dizer, obviamente, transportes públicos mais caros.  

Se depois de isto tudo ainda houver alguém com capacidade financeira, para consumir tabaco, refrigerantes, bebidas alcoólicas, do tipo, vinho ou cerveja ou comida com elevado colesterol, não sorria, porque esta felicidade poderá também pagar imposto.

segunda-feira, março 17, 2014

Retrato dos Açores


Na passada semana discutimos no Parlamento Regional a Conta da Região do ano 2012. Esta análise mais não é do que um retrato em números da execução financeira da atividade do Governo Regional e do seu sector empresarial. Revela também, por exemplo, através dos números da receita fiscal, o comportamento da economia regional durante este ano.

E é assim que devemos fundamentar as nossas análises - com factos - e não recorrer como é habitual - em muitos comentadores, jornalistas ocasionais de sábado à tarde, profissionais da decomposição no facebook ou de personalidades tão complexas, que “unicamente” em si concitam  a posição “imparcial” de economista/político/empresário/guru da economia açoriana/líder da oposição/etc. - à opinião baseada nos nossos anseios, interesses e convicções, como se esta fosse uma verdade científica.

Se relativamente ao ano de 2012, contrariamente ao que muitos diziam, percebemos que "os Açores cumpriram integralmente as metas orçamentais com que se tinham comprometido - e até tiveram resultados melhores do que se tinham comprometido -" e que “as empresas públicas (…) passaram por um processo de consolidação e estão, de forma geral, em equilíbrio”,conforme assinala a Comissão Europeia, algumas vozes, aproveitando-se da nossa situação de crise, tentam impor o discurso de que os Açores tiveram perto de duas décadas perdidas no seu desenvolvimento.

Ora analisando o mais recente relatório da Fundação Manuel dos Santos/Pordata, “Retrato dos Açores” e outros indicadores e dados estatísticos do INE, verificamos que aconteceu exatamente o contrário.
Se em 1993, os Açores eram a Região mais pobre do Pais, com um poder de compra per capita perto dos 65% da média nacional, hoje estamos a meio da tabela, com 82,4%.

Ao nível da educação, apesar dos desafios que ainda se colocam, também temos resultados animadores: em 1981 a nossa Região tinha uma taxa de analfabetismo acima da média nacional, enquanto hoje reduzimos essa taxa em perto de vinte pontos percentuais, para 4,7% da população, enquanto o país tem 5,2%. É igualmente indiscutível que temos hoje mais e melhores  escolas.

Ao nível do turismo, os resultados são também animadores: em 1995 as dormidas de turistas na Região estavam perto de atingir as 400 mil, enquanto hoje já ultrapassam largamente um milhão; o crescimento da receita direta desta atividade quadruplicou durante este período.

Ainda ontem noticiava o Açoriano Oriental, numa reportagem sobre a conferencia que analisou o relatório da Pordata,  que “Sobre a convergência com a média da União Europeia (…) Augusto Mateus defendeu que os Açores estão onde devem estar, a meio da tabela das regiões nacionais, não devendo olhar para o topo da tabela onde Lisboa concentra muita da riqueza que, na verdade, é produzida na região vizinha de Setúbal e a Madeira tem o seu PIB claramente valorizado pela Zona Franca. Elogiou o facto dos Açores, com uma pequena população trabalhadora, se destacarem mais pelo lado da produtividade, face a outras regiões do país, onde  é o fator população empregada e riqueza bruta que mais se destaca, um fator contra o qual os Açores pouco podem fazer.”    

Os Açores dispõem hoje de uma rede social sem paralelo no país - creches, jardins-de-infância, lares de idosos, centros de dia, etc. – acessível a toda a população, a um custo muito menor do que no continente, tal como, disponibiliza um conjunto de apoios sociais – "cheque pequenino", complemento de pensão, complemento de abono de família, remuneração complementar, etc. – que visam diminuir as desigualdades sociais e garantir uma verdadeira igualdade de oportunidades.

Se todos estes avanços foram conquistas importantes, também é verdade, que numa economia periférica como a nossa, o desafio do crescimento harmónico rapidamente pode ser posto causa por crises conjunturais como a que atravessamos ou outras que no passado nos atingiram. Basta pensar que desde 1996 o Governo dos Açores investiu perto de 500 milhões de euros a recuperar infraestruturas atingidas por calamidades naturais, ou seja, garantiu, como é sua obrigação, a segurança das suas populações, sem que isso significasse, à partida, qualquer tipo de retorno económico.

Como também o desenvolvimento traz novos desafios, por exemplo: ultrapassado o desafio de levar as crianças ao sistema educativo é necessário que estas tenham bons resultados ; ao tornar o turismo um dos pilares de desenvolvimento dos Açores, é necessário garantir um retorno económico adequado e garantir a sua qualidade; ao criar uma boa rede social nos Açores, é necessário garantir a sua sustentabilidade através de reformas no seu funcionamento.    

Nestes tempos de pessimismo onde a esperança parece estar longe do nosso dia-a-dia, todos estes dados são boas notícias. São boas notícias porque percebemos melhor que esta crise apesar do que nos dizem alguns “Velhos do Restelo” não veio para ficar. São boas notícias porque conseguimos ver que não estamos a andar para trás e que, ao contrário do que apregoam alguns arautos da desgraça,  há esperança no futuro. E há esperança nos Açores.

terça-feira, fevereiro 04, 2014

Prefácio do livro "Navegação Interior – pequenas histórias" da autoria de Tomaz Borba Vieira.

Prefácio

Podemos, como Marcolino de A Encomenda nas páginas desta Navegação Interior, insuflar uma figura com a própria alma, mas num livro que não é só um livro, que é também um revirar de vidas, uma enorme coleção de palavras e dos seus significados, para além de nos permitir “passar para o lado de lá da barreira” devemos também descansar nele, enchê-lo de nós próprios e lê-lo com a (legítima) sensação de que lhe pertencemos, como um filho a uma mãe ou tinta à tela.
O leitor que virar as suas páginas vai encontrar certamente numa rua, num desenho ou entre ações, um motivo, um detalhe ou um acontecimento para sorrir e recordar aquilo de que somos feitos, tudo o que trazemos connosco, o que ficou separado (não desperdiçado) e esse gosto enorme de pertencermos aos sítios, a algumas pessoas (com liberdade convicta) e mesmo a páginas de outras histórias.
Um livro – este livro - é a aprendizagem do lado de lá das palavras, do seu avesso, do que a caneta pincelou para quebrar o branco tímido das folhas de papel que aqui são tela e vela para navegar no interior.
A magia dele está também no facto de ter personagens diferentes de porto em porto, riscados a traço firme como quem desenha contando com a braveza do mar.
O barco de Tomaz Borba Vieira vai salpicado, molhado, enterrado nas ondas grandes do mar, umas vezes consome o leitor, outras liberta-o, para no fim o deixar entre nós. Amarrado e não preso.
Ancorado.
Aqui e ali os modos (e os feitios) de representação do real confundem-se nesta aventura marítima que é viver, indo de um lado ao outro da nossa parte sentimental, de memórias afetivas, de imagens de passado, de desenhos, de cenários universais, mesmo concretos ou mesmo abstratos.
A tendência de nos envolver nos conteúdos faz-nos estar nos lugares, entrar nas salas de aula, fazer os desenhos, atravessar a Rua Cavaleiro Oliveira.
            Se provas fossem (ainda) precisas elas estavam aqui. Um livro como um quadro deve revirar a nossa vida, trazê-la aos significados múltiplos que vamos tendo, à medida que crescemos e envelhecemos, por dentro e por fora, na capa e na contracapa, no espaço e no tempo, no meticuloso cuidado que vamos ganhando à medida que nos vamos abandonando de umas e de outras certezas.
Este livro acompanha-nos como o rasto de um barco no mar, entre a espuma, com peixes ou sem eles, como os amigos que nos faltam ou que se chegam, poisando tão levemente nas nossas eternidades, quais Serafinas ou Serafins.
Uma aventura. Este livro.

Mariana Matos

Dezembro de 2012

terça-feira, janeiro 14, 2014

De olhos em bico




No final do congresso do CDS, Passos e Portas encontraram-se numa estação de serviço, na Mealhada. Passos comeu leitão. Já Portas (mais avisado e diligente) comeu panados.
Portas é mais esperto que Passos. Por certo já sabe que agora com a venda de património aos chineses, também as ementas portuguesas passarão a incluir especialidades como “leitão com amêndoas” ou “agridoce”; “crepes de pastel de nata” ou “chop suey de cozido à portuguesa”.
Por outro lado, Portas, sempre tão viajado e informado, também já deve saber que, entre o final de 2014 e o início de 2015, partirão de Pequim turistas em naves espaciais que pagarão a módica quantia de 70 mil euros e viajarão durante uma hora, a mais de 60 quilómetros de altitude, o que lhes permitirá experimentar a ausência de gravidade.
Só o desejo imenso de sentir essa “ausência de gravidade” pode explicar que Portas tenha anunciado no seu congresso ao próprio Primeiro-Ministro do Governo, de que é Vice-Primeiro Ministro, as suas metas para 2015: Reforma da Segurança Social, desagravamento do IRS, aposta na demografia e racionalização da administração pública.
Lá nada. O que Paulo Portas quer (mas não disse ainda) é experimentar naves espaciais, já que não pôde experimentar submarinos e, lentamente, ir mudando a indumentária dos seus colegas de Governo.
Passarão das gravatas aos kimonos; dos garfos aos pauzinhos; da cerveja ao chá de jasmim e se for mesmo preciso (em nome da pátria portuguesa), nos seus discursos substituirão versos de Fernando Pessoa ou Camões, por versos de Wang Jian.
Depois de alterar o significado de irrevogável e de assim gozar com a cara de toda a gente, Paulo Portas pode tudo, a favor do interesse nacional, que é, claro está (só) dele.
Aposto que o “karaté” vai passar a ser também disciplina obrigatória nas escolas portuguesas, indo mesmo substituir os exames dos professores, tornando-se requisito fundamental para dar aulas do Minho ao Algarve.
Nada disto será assim tão estapafúrdio. Basta que nos lembremos que depois da EDP e da REN, também a Caixa Seguros foi vendida aos chineses; que enquanto essa venda era anunciada o Governo da República, sem qualquer tipo de escrúpulo, dizia também que estava aprovado o alargamento da Contribuição Extraordinária de Solidariedade às pensões acima de mil euros, alargando assim a perda de rendimento na classe média.
Foi a EDP, foi a REN, foi a Caixa Seguros e é (também) o Cinema Londres, que vai ser transformado numa loja de produtos chineses.
Enquanto Portugal se vai deixando “achinesar” e desgastar, entretém-se o Povo com discussões absurdas e conversas parvas, até da Presidente da Assembleia da República sobre os custos da ida de Eusébio para o Panteão; enquanto isso outros discutem se Sophia de MB Andresen deve ir antes, ou depois do “King”.

Cá para mim, se for para continuar a vender o que é nosso aos chineses, mais vale deixar ficar Eusébio e Sophia onde estão. E, já agora, no entretanto, ir pensando em vender o Palácio de Belém aos chineses, com tudo incluído.
O provérbio chinês, a este propósito, é muito claro: “Se quiseres abater uma árvore usando a metade do tempo, passa o dobro do tempo amolando o machado”.

E como isto vai, ao ritmo que vai seguindo, não tarda estão os portugueses de olhos em bico, já sem sequer conseguir dizer: “já basta!” em português.

Serenamente, AO 14 de Janeiro 2014

segunda-feira, janeiro 13, 2014

O que está em causa...


Para um observador mais distraído pode causar alguma estranheza o recente alarido, pela parte dos partidos políticos e dos média, por causa da inédita decisão do Senhor Representante da República de enviar para o Tribunal Constitucional o Orçamento da Região de 2014. Afinal, aparentemente, o Sr. Embaixador apenas exercia uma competência legítima, prevista na Constituição, sobre uma norma, para alguns de justiça duvidosa, que tem impactos financeiros de menos de 1% no Orçamento da Região.

Alguns comentadores políticos mais estudiosos, concordando com alguns dos argumentos aduzidos pelo Sr. Embaixador, salientavam que a medida era infeliz e que o Governo dos Açores estava a contrariar as políticas nacionais violando, inclusive, contratos estabelecidos com o Governo da República. Outros comentadores, como costumeiramente fazem, preferiram falar de algo completamente diferente e referir as responsabilidades dos partidos açorianos na existência do próprio cargo de Representante da República.

Mas houve algo que nunca bateu certo nestes raciocínios de caracter político: o facto de todas as forças políticas com representação parlamentar e autonomistas convictos, com orientações ideológicas totalmente díspares, terem unanimemente, manifestado a sua oposição à posição do Representante da República. Curiosamente, algumas personalidades e partidos que não concordaram com as alterações à Remuneração Complementar Regional também manifestaram o seu desagrado perante a atitude do Sr. Embaixador.

Para quem se interrogou sobre a razão deste unanimismo, a resposta é muito simples: o Sr. Embaixador com a sua decisão põe em causa a Autonomia dos Açores!

E para esta discussão de pouco interessa a avaliação política da norma em causa, nem esclarecer que esta não aumenta a despesa com pessoal, nem explicar que nenhum funcionário público vai ter aumentos de ordenado ou que esta classe nos Açores é a única no país que vai ter uma dupla austeridade, em virtude dos cortes salariais e do aumento de impostos na Região.

O que está em causa não é saber se a Região aprovou uma norma que revela uma opção política, obviamente sujeita a uma avaliação por parte dos eleitores açorianos e do Sr. Embaixador no âmbito do seu poder de veto político. Não! O que está em causa é saber se a Região tem ou não competência (Autonomia) para tomar esta decisão.

Daí a gravidade da atitude do Sr. Embaixador, porque faz um julgamento político de uma norma e concretiza-o, não neste âmbito, no seu direito de veto, mas sim no envio desta para fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional.

Mais! Esta decisão do Sr. Embaixador, concretizada em 26 infelizes páginas de exposição ao Tribunal Constitucional, revela a interpretação de que o âmbito da nossa Autonomia está limitada às orientações de caracter político/ideológicas prosseguidas por um qualquer Governo do país e não, como é certo, regulada pelas leis que estabelecem essa mesma Autonomia: a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, o Estatuto Político Administrativo e a Constituição da República Portuguesa. Não interessa para o Sr. Embaixador, se cumprimos os objetivos e os parâmetros estabelecidos nestas “Leis”, mas sim os meios que utilizamos para os atingir.

O Sr. Embaixador pretende, na prática, que o Tribunal Constitucional avalie a nossa capacidade legítima, de enquanto Açorianos, com órgãos de Governo Próprio, podermos fazer diferente.

E na decisão do Tribunal Constitucional poderá estar mesmo em causa esta capacidade, ou seja, a nossa própria Autonomia!
Francisco Vale César
Da Minha Esquina, AO do dia 12 de Dezembro

terça-feira, janeiro 07, 2014

Ao Sr. Embaixador





Numa inusitada decisão entendeu o Senhor Representante da República para os Açores enviar para fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional o Orçamento da Região para 2014. Fê-lo não porque o documento prejudicava os açorianos, mas sim por entender que os beneficiava em relação aos trabalhadores da administração pública do continente. Quem ler os fundamentos do pedido de inconstitucionalidade fica com a noção exata do entendimento que o Senhor Embaixador, Pedro Catarino, tem da Autonomia.

Aliás, Sua Excelência, num assomo de inspiração inédita – e para dar prova de vida – resolveu, na mesma semana, aquando da mensagem de Ano Novo, propor a criação de uma lotaria com o objetivo de ajudar a financiar o ensino pré-escolar nos Açores. A ideia, por si só algo estapafúrdia, também contribui para entender melhor o enquadramento que S. Exa tem não só do cargo que, ainda, desempenha, como também o espírito com que vê o regime autonómico. Mas vamos por partes.

Sua Excelência, o Embaixador, considera inconstitucional que o Parlamento dos Açores aprove, em lei do Orçamento, uma alteração que visa alargar o âmbito da Remuneração Complementar. Nos argumentos aduzidos Sua Excelência considera, por exemplo, que a remuneração complementar não beneficia em nada os contribuintes do Continente que suportam integralmente o esforço de uma transferência de cerca de 251 milhões de euros a título de solidariedade para o nosso Orçamento. Na mesma linha de raciocínio argumenta ainda não ser decisivo, no plano constitucional, a circunstância da remuneração complementar não implicar em si mesmo um acréscimo de transferências financeiras do Orçamento de Estado para o da Região Autónoma dos Açores no ano de 2014.

Dito de outro modo, Sua Excelência, o Embaixador, considera que por dever de solidariedade para com os contribuintes do Continente, mesmo que a nossa gestão das contas públicas seja exemplar e que haja recursos disponíveis para ajudar as pessoas, a Autonomia dos Açores e os órgãos de governo próprio da Região não têm competência para decidir sobre a gestão do seu orçamento em nada que contrarie as políticas nacionais.

Note-se que o alargamento da Remuneração Complementar foi aprovado, por unanimidade, na Assembleia Legislativa dos Açores, uma circunstância que, no mínimo, exigiria de Sua Excelência, o Embaixador, alguma contenção ou sensibilidade política. Poderia, por exemplo, ter em conta que nunca, em quase 40 anos, foi enviado para o Palácio do Ratton um Orçamento de Estado ou um Orçamento regional para fiscalização preventiva - É sempre curioso verificar que, no Continente, um Orçamento de Estado que corta no rendimento e aumenta as desigualdades merece uma aprovação unanime do Presidente da República, e que nos Açores, a única zona do país que será duplamente prejudicada em 2014 em virtude de um exclusivo aumento de impostos aprovado por Lisboa, o Orçamento Regional, que visa, exatamente, atenuar esta desigualdade, merece o seu envio para fiscalização preventiva - Poderia ainda ter levantado dúvidas e devolvido ao parlamento dos Açores o documento para reapreciação. Mas não. Sua Excelência, o Embaixador, não se coibiu de exercer as suas competências, ainda que de modo pouco diplomático. E fê-lo de um modo pouco abonatório para as funções que desempenha, não se coibindo de fazer um juízo político relativo às competências próprias da Autonomia Regional. Na prática, a mensagem que pretendeu passar foi a seguinte: ao abrigo do princípio da solidariedade nacional, os açorianos devem sofrer, na mesma proporção e com a mesma intensidade, as políticas recessivas e de austeridade emanadas pela maioria que governa o País. Pouco importa o facto de a Região Autónoma dos Açores não contribuir em nada para o défice nacional. Pouco importa se o défice dos Açores é de apenas 0,4% enquanto o da República é de 5,5%. Não interessa se o endividamento dos Açores é de 20% em função do PIB e o do País ultrapassar os 128%. Para Sua Excelência, o Embaixador, a Autonomia deve ser exercida – apenas e tão somente – se for para cumprir as orientações emanadas do Terreiro do Paço. Afinal, conforme argumentou, são os contribuintes nacionais que suportam na totalidade a transferência de 251 milhões de euros dos cofres nacionais para os cofres regionais. Isto, num orçamento regional que, como se sabe, ascende a mais de mil milhões de euros e numa Região AUTÓNOMA com um PIB superior a 3 mil milhões de euros. 

O problema de Sua Excelência, o Embaixador, é afinal igual a muitos outros que, infelizmente, não compreendem que o sucesso da Autonomia dos Açores contribui para a afirmação do País no Atlântico. Não entendem que a Autonomia não é um luxo, mas um processo político indissociável da identidade açoriana que promoveu o maior período de crescimento e de desenvolvimento da história dos Açores. Não compreendem que a austeridade, ao contrário da narrativa oficial de Belém, afinal não suspende a democracia. Para quem tanto apregoa a unidade do Estado, Sua Excelência, o Embaixador, prestou um mau serviço ao País. E, independentemente do desfecho deste contencioso autonómico – aberto pelo ainda Representante da República – fique Sua Excelência, o Embaixador, a saber que a Autonomia dos Açores é um património político das Açorianas e dos Açorianos que perdurará muito mais anos que a sua efémera, e nada saudosa, passagem pelo Solar da Madre de Deus.

Francisco Vale César
Da Minha Esquina, AO do dia 5 de Dezembro

A “Lotaria” do Senhor Embaixador

 Li, a propósito da morte de Eusébio, várias coisas. Ouvi dezenas de declarações sobre o assunto, por isso combinei comigo mesma que esta crónica não seria sobre ele.
Para quê? Já falou o Presidente da República, já falou o Ministro da Presidência, entre outras altas figuras deste nosso “Estado Português” e já todos disseram de tudo. Até apareceu num canal qualquer Paulo Gonzo a falar sobre Eusébio e ouvi que já há poemas. Só faltou falar o Representante da República para os Açores. Eusébio esteve cá. Pedro Catarino podia querer falar, sabe-se lá…
A minha homenagem a Eusébio será igual à de um senhor que tive ocasião de ler num forum das redes sociais: nos próximos dias, não oiço nem vejo canais nacionais. Não preciso que me digam como ele era, o que fez, de onde veio. Eu sei. Acompanhei a vida dele, o suficiente para saber isso tudo e a minha única pena é que não tenha vivido mais um bocadinho, afinal ainda era novo. Tinha 71 anos.
Eusébio era mais novo que Cavaco Silva. Porém, parece que essa coisa da idade não tem nada a ver com morrer. Uma pessoa vai pela vida e de repente: já está. Também não quero que esta crónica pareça mórbida, nada disso, mas os dias frios, o atordoamento das políticas nacionais, aqueles anúncios que vão fazendo a conta-gotas de que vão cortar pensões e vão sortear faturas e vão, mais dia, menos dia deixar-nos a todos “em pele e osso” atormentam-me…
Indo eu atormentada com tudo isto e mais não sei quem, nem sei quantos, eis senão quando dou de caras com a notícia, no final do ano de 2013, de que Pedro Catarino, representante de Cavaco Silva, nos Açores tinha mandado o Orçamento da Região Autónoma dos Açores ao Tribunal Constitucional para ser fiscalizado preventivamente.
Qual polícia da República portuguesa, o Senhor Representante quer que os açorianos não se “portem mal”, que se comportem e sejam sacrificados como os continentais, sendo assim solidários, como deve ser.
A quente (e mesmo agora a frio) considero que o Senhor Representante da República portuguesa esqueceu-se (o que é lamentável) que as pessoas que vivem aqui, nestas 9 ilhas dos Açores, têm um Governo e um Parlamento próprio e que os seus órgãos foram eleitos em (imagine-se lá) eleições tão legítimas e democráticas como as que elegeram, por exemplo, Cavaco Silva.
O mesmo, porém não se pode dizer do Senhor Representante da República. Não foi eleito. Foi escolhido. Por quem? Por Cavaco Silva. Portanto, para mim (penso que para toda a gente) é claro. No episódio do Orçamento, o Senhor Representante da República cumpriu uma ordem de Belém, como já havia cumprido com a sua mudez em relação a assuntos tão sérios como a Lei de Finanças Regionais ou o diferencial fiscal.
Atitudes deste tipo provam a minha ideia de sempre: não precisamos de um Representante da República para coisa nenhuma. Nem deste, nem de outro qualquer. Somos uma Região Autónoma e não um qualquer condado, controlado por uma espécie de “vice-rei” ou “polícia”, cuja fatiota tresanda a centralismo.
Pelo que vi na imagem televisiva da sua mensagem de Ano Novo, o Senhor Embaixador concorda comigo. Prateleiras de livros e mais livros serviam de pano de fundo à sua figura, sem qualquer referência aos Açores. A bandeira que fosse. Nada. Só livros a metro.
Aquela mensagem podia ser lida aqui, na China ou na Rússia. Nada o identificava como sendo quem é ou representando o que acha que representa.
Açoriano ou açoriana que tenha apanhado a mensagem a meio, quase de certeza, não soube identificar o senhor e se apanhou na parte da “Lotaria”, é bem provável que tenha pensado que era alguém dos "Jogos da Santa Casa" ou coisa parecida…
Assim não vale a pena. De resto viva o Eusébio, o Benfica e (claro está) os Açores.


Mariana Matos


Serenamente, AO 7 de Janeiro de 2013

quinta-feira, dezembro 26, 2013

Natal antes de um ano novo

O Natal antecipa a chegada de um ano novo, que parece estender-se comprido e largo, provando, depois de passar, que afinal era curto, que o tempo não foi suficiente, que perdemos demasiadas horas, por vezes dias, a tentar endireitar coisas que não querem sequer “ouvir falar” em endireitar-se; a discutir e debater evidências, ou mesmo a fazer de lutas de outros, lutas nossas, como se fôssemos ganhar um lugar no céu… ou uma medalha.
(Dezembro é o mês em que nos apercebemos que não somos imortais).
Quando olhamos para trás, rapidamente, vemos que entre um novo mês de Janeiro e este velho Dezembro ficaram planos por cumprir, ideias por tornar reais e pessoas de quem gostávamos, ou por quem tínhamos certa admiração.
Dezembro é o mês em que juramos, a nós próprios, cumprir a divisa de “não olhar para trás”, conselho que, como se sabe, foi dado a Dante (em “A Divina Comédia”) por um anjo guardião, para não por tudo a perder…antes do tempo.
Quando enfiamos as mãos nas algibeiras, os dedos recolhem rebuçados para suavizar as dores (de garganta), meia dúzia de boas gargalhadas, alguns abraços e outros amigos, entre certa quantidade de mediocridades, indecências, faltas de carácter e cobardias. Assim é a vida, como uma canção, cuja voz por vezes desafina, enquanto outras tantas afina.
Dezembro é pois o tempo de fincar os pés no chão; de assumir que o fim de mais um ano é o princípio de outro, que pode até ser o último.
Dezembro traz um entendimento mais autêntico de que podemos mesmo morrer amanhã e que não ressuscitaremos, nem sequer para salvar o mundo, por mais vontade que possamos ter.
Há quem morra de amores, quem morra de doença, quem morra por acidente ou até quem morra de saudades. Se o Natal não for exactamente igual ao que era antes ninguém morre. Porém, morrer de saudades pode efectivamente matar (até) o Natal.
Dezembro é também tempo de “tomar partido”. De “tomar partido” por nós, pelo que temos de mais nosso e de fazer tudo para por o pé em Janeiro com certezas, muitas dúvidas e firmeza, em equilíbrio.
Travaremos as lutas que quisermos; percorreremos os caminhos que entendermos e as nossas estrelas, assim como os nossos heróis, deverão ser os mais simples e possíveis.
Dezembro pede que se acabem as complicações e que estejamos presentes, com o direito de, por vezes, estarmos ausentes e emudecermos.
No Natal, em Dezembro de agora, haverá meninos e meninas sem as suas “palhinhas”, nem o colo das suas mães, nem o abraço dos seus pais. Alguns estarão longe por dever, obrigação ou escolha, outros terão as suas razões muito próprias e legítimas, outros ainda estarão cansados e resignados. Pais e Filhos. Mães e filhas. Filhas e pais. Filhos e Mães.
(O contrário também existe. Nem tudo é mau.)
Pediram-me para escrever sobre o Natal e fi-lo.
Não me apeteceu falar da chaminé, das renas, da neve, das meias penduradas, das prendas do bom velhinho ou sequer da árvore de Natal. Das bolas, das luzes, das fitas e do burrinho.
Sei, como sabemos todos, que Dezembro chegando a todos, não traz o Natal igual a toda a gente.
Pois então que chegue Janeiro de 2014, porque 2013 está agora por um fio.
Os dias estão mais frios, as noites mais longas e há no ar um certo sentimento de cansaço que apela à novidade de um ano novo para, ao menos, variar o tema.

(Boas Festas).

Açoriano Oriental, 25 Dezembro de 2013

terça-feira, dezembro 10, 2013

“Os presépios da Maria”

Quando pensávamos que já nada mais nos podia sobressaltar (ou mesmo envergonhar), nestes dias cinzentos e chuvosos de Dezembro, eis que surge o casal Silva, na televisão, inaugurando uma exposição de presépios.
Até aqui tudo normal. Nada impede que o casal Silva ande pelos “caminhos de Portugal” inaugurando presépios e praticando todo o tipo de acções de solidariedade, desde lanches com idosos, visitas a lares de 3ª idade e ofertas às meninas e meninos institucionalizados.
Por mim não há problema nenhum. Acho até bem. Escusavam era de aparecer na TV, na Rádio e nos jornais por causa disso.
O que é que nos interessa saber se Maria Cavaco Silva e o seu esposo, juntamente com alguns dos netos, inauguraram em Bragança, num Domingo de Dezembro, uma exposição de presépios da própria, cujas receitas reverterão a favor de um lar de crianças institucionalizadas?
Seremos obrigados a apreciar o nosso casal presidencial, como os mais dedicados solidários do Natal, quiçá concorrendo com o Jorge Gabriel, a Leopoldina ou os anúncios de brinquedos do canal Panda?
Por quais “caminhos de Portugal” andará o nosso casal presidencial, durante todo o resto do ano, quando crianças, jovens, adultos e idosos também passam por dificuldades várias, face às políticas tortuosas do Governo da República?
Será que o nosso casal presidencial considera mesmo, que a sua ida a Bragança, para este acto televisionado, fotografado e com som gravado, apaga da memória dos portugueses os constantes silêncios do Presidente da República?
Ou acharão suas eminências que por causa do barulho do pisca-pisca das luzes natalícias, e por causa da fé de cada um, deixa de interessar todo o tempo, em que estiveram impávidos e serenos, a assistir à devastação do país?
Não sei. A mim parece-me que o objetivo da ida a Bragança era o de dar ao casalinho um ar poético, queridinho, lindinho e caridoso… Se era, pois daqui digo que é feio, é mau e é inqualificável.
Maria e o seu esposo podiam ter ido a Bragança, podiam até ter inaugurado a exposição, mas escusavam de nos entrar casa dentro, na televisão e rádio, e depois nos jornais, com aquele ar cândido, de quem acha que pode tudo e que ninguém percebe nada…
Há aquele ditado antigo que diz que devemos “fazer o bem sem olhar a quem”. Mas os novos tempos transfiguraram-no. Agora é assim: “eu faço o bem, ora olhem para mim”.
Todos querem dar qualquer coisa, mas quase ninguém prescinde de criar um momento televisivo, para que se possa ver a sua bondade e solidariedade…
É tempo de acabar com os “presépios da Maria” que são a mais recente representação da caridadezinha degradante e repugnante.
É que podemos, até, acreditar no Pai Natal e dizer que ele existe às nossas crianças. Fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que elas continuem a pensar que ele é o velho barbudo que desce as chaminés e deixa brinquedos e coisas boas.
O que não podemos tolerar são os “presépios da Maria”. Como sabemos nenhum dos membros do casal presidencial é gordo, tem barbas ou desce chaminés.

É fundamental que no Natal, ou em qualquer outra altura do ano, se compreenda que uma coisa é a fantasia, outra coisa, completamente diferente, é a cobardia, disfarçada de bondade, de solidariedade e de fraternidade.

Serenamente, AO 10 de Dezembro de 2013

quarta-feira, dezembro 04, 2013

De repente - Por E. Matos

De repente tudo vai ficando tão simples que assusta. A gente vai perdendo algumas  necessidades, antes fundamentais e que hoje chegam a ser insignificantes. Vai reduzindo a bagagem e deixando na mala apenas as cenas e pessoas que valem a pena. As opiniões dos outros são unicamente dos outros, e mesmo que sejam sobre nós, não têm a mínima importância. Nada vai mudar. De repente passamos a valorizar o que tem valor de verdade, e a amar de forma diferente de todas já vividas.

De repente vamos abrindo mão das certezas, pois com o tempo já não temos mais certeza de nada. E de repente isso não faz a menor falta, pois o que nos resta é ser apenas feliz. Percebemos que o hoje é apenas agora, e nada, absolutamente nada além disso. Paramos de julgar, pois já não existe certo ou errado, mas sim a vida que cada um escolheu experimentar. De repente não existe pecado, mas sim ponto de vista. O improvável passa a ser regra.
O extremo passa a ser meio termo, pois no dia a dia percebemos que nada é exato, e tudo chega a ser inconstante demais para ser determinante ou absoluto. De repente o inverso vira verso. Por fim entendemos que tudo que importa é ter paz e sossego. É viver sem medo, e simplesmente fazer algo que alegra o coração naquele momento. É ter fé. E só.
De repente a saudade se torna um sentimento devastador e descobrimos que o coração fala mais alto, então este sentimento único e profundo fica acima de qualquer razão. De repente tentamos compreender sentimentos, jamais compreensíveis aos olhos de outras pessoas. Descobrimos o verdadeiro valor da verdade e com ela chega a plena certeza de que ter dignidade, transparência e retidão de caráter são qualidades obrigatórias para se viver bem com os outros, com o mundo e, principalmente, consigo mesmo.

De repente descobrimos que os planos traçados e escolhidos por nós são unicamente nossos, pois de repente, em meio aos nossos planos, chegam as escolhas de Deus.

terça-feira, novembro 19, 2013

Mudar o mundo no Facebook


Circulam nos emails e nas redes sociais à velocidade da solidariedade de quem os recebe. São pedidos de sangue de tipo raro, para uma criança, um bebé ou um amigo. Chegam pedidos de ajuda de dezenas de pessoas, muitos deles são falsos, outros não têm razão de ser e outros ainda são mesmo pura maldade.
A maior parte das pessoas não percebe a sua inutilidade, nem tão pouco condena a sua falsidade e adere imediatamente sem sequer tentar perceber de onde vêm, de quem são ou se são mesmo precisos…
Foi o que aconteceu, por exemplo, a semana passada no Hospital de Ponta Delgada, com a resposta a um pedido de sangue para uma menina, que depois de ser partilhado e espalhado no Facebook, obrigou uma responsável pelo serviço de hematologia, a explicar o trabalho que estava a ser feito e a complicação que gerou o pedido efectuado na rede social.
Este foi um caso de que tivemos notícia. Mas quantos mais existirão? Desconfio que muitos. Vive-se um tempo de afã mediático de corresponder a todo o tipo de ajuda, um tempo que vai em crescendo até ao Natal, um tempo que muitas vezes, como neste caso, vai complicando mais a vida de quem trabalha todos os dias em lugares reais, com doenças e situações de vidas, que nada têm de virtuais.
Acho mesmo que muitas vezes a facilidade de se ser solidário através de um clique, de uma partilha ou  de um “like” deita por terra a condição primeira do princípio de solidariedade, que eu considero que é o de se ser solidário porque é mesmo preciso, porque não há outra resposta e não porque fica bem que se saiba que ajudei este, aquele e o outro, que fiz isto ou dei aquilo.
O Facebook, rede social de que sou utilizadora, tem vindo a trazer também essa quantidade absurda de acções inúteis, que acabam por se desenvolver num ciclo vicioso e na estúpida ideia de que é possível mudar o mundo naquele espaço.
Parece que tudo pode ser resolvido com um “like”; as tristezas e derrotas diárias resolvem-se com uma partilha e, muitas vezes, nas discussões, até parece que não se pensa que se pode (mesmo) morrer de repente. O Facebook não imortaliza ninguém. Desengane-se que pense assim.
Um “cartoon” que vi há poucos dias mostrava um menino a pedir dinheiro a uma senhora para ajudar uma família sua conhecida. A resposta da senhora não se fez esperar: “Meu querido, eu já fiz like no Facebook!”
Há poucas semanas o Facebook foi invadido por fotografias de girafas. O que podia, à primeira vista, parecer um repentino ataque de amor pelo animal, mais não era do que a “penitência” por errar na resposta a uma charada.
Dizem que a brincadeira foi criada por americanos e que funciona assim: um amigo posta uma charada, outro amigo tem que mandar a resposta por mensagem privada. Se errar tem que mudar a foto de perfil para a de uma girafa durante três dias seguidos.

A charada é esta: “São 3h da manhã, a campainha toca e tu acordas. Visitas inesperadas. São os teus pais. Têm fome. Na mesa da cozinha tens doce de morango, mel, vinho, pão e queijo. O que vais abrir primeiro?”
A resposta correta era “os olhos”, mas é claro que entretanto dezenas de teorias já foram desenvolvidas sobre o assunto, sendo a mais insólita, a de um pastor de uma igreja brasileira, que considerou ser uma estratégia satânica para forçar alianças entre os utilizadores do Facebook e o diabo.

Ele há coisas que nem o diabo aguenta. Seja como for: não entrei na charada e não mudei a foto de perfil mas mudaria sem problemas, mesmo que isso pudesse implicar um encontro inesperado com satã. Gosto de rir. E nestas coisas, apesar de tudo, rir ainda é o melhor remédio.


Serenamente, AO 19 de Novembro.