terça-feira, fevereiro 02, 2010

Fatos às riscas

Ouvi ontem na RTP, telejornal da manhã, que a agência Lusa tinha começado a usar o acordo ortográfico. Estava então explicado o porquê de, na madrugada de Domingo, ter lido nalguns jornais, notícias que falavam de “adoção” (para mim adoção só pode ser, na pior das hipóteses, uma derivada de adoçante e de adoçar…)
Acompanho este debate há algum tempo. Mantive a esperança de que tal acordo não viesse a ser cumprido. Mas agora que vejo estampado nos jornais estas palavras sem cê e sem pê percebo que já começa a não haver distinção entre apto e acto…
O que, convenhamos em português de Portugal, é no mínimo estranho e poderá mesmo vir a ser inquietante. “Ato” em português de Portugal tem a ver com atilhos e é do verbo atar: a 1ª pessoa do singular no Presente Indicativo ou então sufixo de retrato, por exemplo.
Dizem-me: é uma questão de tempo. Não me parece. Não consigo imaginar-me a escrever “batismo” em vez de baptismo (do latim “baptismus”). Pára e para passam a depender do contexto, porque o acento de “pára” desapareceu. Ora, se a dupla, tripla interpretação da língua portuguesa que diz o provérbio “é traiçoeira” já é complicada; imagine-se agora… Hei-de passa a “ hei de” (mais um bocadinho e fica Heidi ) e pacto passa a “pato”…[O pato foi acordado em Lisboa]. “O que fazia em Lisboa?” ou então “ Foi só o pato? Não havia galinhas?” Pois é.
Fora de brincadeiras (embora o exemplo acima possa ser mais sério do que o que parece). Não sou um computador. Logo não me vou habituar a esta forma de escrever diferente e sem significado, pelo menos, para mim.
Fevereiro para mim é com efe maiúsculo e a acção do dia-a-dia é com dois cês. Dizem-me que não faz mal escrever assim, porque se lê da mesma maneira…É uma forma simples de resolver o problema…
Ainda assim dou por aproveitadas as horas de sono que perdi e as pestanas que queimei, em perfeita agonia, para poder perceber a Teoria X-Barra (de Noam Chomsky) e outras teorias do género; para além dos 5 anos de latim e das duas vezes que fiz a cadeira de Fonética e Fonologia com um professor de origem russa, que não percebia o [sótaque das ilhas] (assim mesmo acentuado no ó) e nos olhava com ar de susto (éramos mais do que um da mesma espécie).
Seja como for parece que de agora em diante o acordo ortográfico vai começar aí a aparecer em vigor por muito lado. Não estou preparada para adoptá-lo (adotá-lo diz o acordo), não sei se o adoptarei (adotarei).
Duvido mesmo que o faça algum dia. Os factos são muito importantes, mas fatos? Fatos são às riscas e compram-se no Alfaiate. Os fados cantam-se e Faro é no Algarve.

5 comentários:

S.Rosa disse...

Estava a ler o teu texto, e lembrei-me de um excerto de fragmento de Bernardo Soares. Segundo este, 'Civilização' é um nome que damos a uma coisa, para depois sonharmos com ela (não me recordo do número do fragmento, nem a frase está exacta). Neste sentido, 'acordo ortográfico' pode ser a designação de algo que, e ao contrário de Soares, não pode, de modo algum, promover o que quer que seja de positivo. 'Acordo ortográfico' estará em vez de facilitismo e promoção da ausência de esforço do pensamento.
Teoria X-Barra? 5 anos de Latim? Por favor, Mariana.. Tem dó!! Entrega-te à nova ciência linguística da adivinhação - Esta palavra, dado o seu contexto, significa 'X' -, até porque a nossa língua a favorece!

Ó 'profeição', compra umas gorilas, mastiga-as de boca aberta, adere à 'Maria', e outros periódicos igualmente actualizados linguisticamente, e não penses. Isso é que não podes, nem deves, fazer.

P.S.: Sempre te podes contentar com a muito possível realidade de um mancebo qualquer olhar para ti e dizer que escreves como a avó dele.. Puf! E tornas-te um clássico :)

(Eu tenho ideia de ter participado num baixo-assinado... pelos vistos não deu em coisa alguma)

mariana disse...

Sim, um clássico. Ovídia, quiçá. Ó massa!!!... ;)

Anónimo disse...

Muito giro Mariana.
Vavô

Surfista Prateado disse...

Eu se mandasse acabava já com esse acordo sem pés nem cabeça.

Claro que tirava da cartola um novo

"Acordo ortográfico ésseémiótico"
Este sim é o futuro, e até atrevo-me a arriscar O PRESENTE. Com várias vantagens:
1. é mais económico;
2. mais rápido de digitar;
3. de fácil compreensão pelos adolescentes;

4. é já de uso corrente;
5. não haverá necessidade de adaptação (ou será adatação?);
6. o ponto anterior não existiria;
7. ...

"K srm das sms sm st"*








*Procurem um adolescente que ele decifra.

Alfredo Gago da Câmara - Músico e Compositor disse...

Talvez por isso arregalei (ainda mais) os meus olhos quando li no Açoriano Oriental um artigo que falava da "poeta" Rosa Lobato Faria.
Que saudades senti eu daquela poetisa.
Bjos