terça-feira, novembro 22, 2011

Duques à portuguesa




País de brandos costumes, tradições e outros ícones, Portugal continua hoje à espera da chegada de D. Sebastião, desde que este tenha mesmo honrado os ossos portugueses em Alcácer Quibir e prometa desde logo livrar agora o país da mão dos “duques” que por lá (se) governam.

Escrevia Raul Brandão na obra “El-Rei Junot” que “A história é dor, a verdadeira história é a dos gritos (…) os homens debalde se agitam, desesperam, morrem (…) não passam de títeres”.

A história actual de Portugal é esta mesma. É a de um país cansado, é a de um país espezinhado, cuja história já não narra factos de sucesso ou de glórias (tirando o futebol) mas sim um enredo subterrâneo feito de motivos e motivações que quase ninguém tenta deslindar, porque tentando, é engolido pelos “duques à portuguesa”. Há deles em toda a parte e de todos os feitios.

Os mais recentes apareceram por cá em forma de voz e imagem na televisão e relatório escrito. A voz do ministro voltou a ecoar do alto da sua geografia de cartilha: “ A RTP é uma empresa nacional no Mogadouro ou nos Açores”, disse, como se “duque” Relvas fosse o dono de tudo ou mesmo quisesse desprezar estas ilhas e o Mogadouro, porque não são Lisboa, a capital do império, de onde (pensa ele) devem emanar todas as ordens para o país.

Depois veio o relatório de um Duque de sobrenome, que aos microfones de uma rádio pública, a RDP, vociferou raciocínios vários, desde a “Casa dos Segredos” até à própria RTP/Açores, dizendo, entre outras coisas, que ninguém vê a RTP/Açores e a RTP/Madeira, que ambas as estações já cumpriram a sua missão e que agora o que os “madeirenses querem, como os algarvios” é saber o que se passa em Portugal, conhecer o seu país.”

A dor da história destes “duques à portuguesa” é saber como contrariar a Autonomia (que lhes dói na alma, por dentro, quase queima) destas Regiões? De cá não vai ajuda para lá, a não ser de quando em vez uns abraços públicos e uns sorrisos (como os da célebre fotografia que circulou pelo Facebook da líder do PSD/Açores com os “Duques” Relvas e Passos Coelho) mais umas palavras, a propósito das medidas que eles lá vão tomando e que cá, salve excepção do relatório, o PSD/Açores vai apoiando, ora calado, ora falando…

Os exemplos desse apoio são variadíssimos. Os “duques à portuguesa” têm vindo a tentar abandonar as suas responsabilidades na Região. Os aeroportos que sempre foram da sua responsabilidade, querem que passem para a Região, não querem pagar os 5% de IRS devidos às autarquias. Quem querem que pague? O Governo dos Açores. Não querem financiar a RTP/Açores e querem que seja o Governo dos Açores a financiá-la. Não queriam pagar as casas do Povo, o PSD/Açores veio logo dizer: pague o Governo dos Açores!

Ora mas afinal, é justo perguntar-se: teremos nós “duques à açoriana”?

Os tempos que aí vêm vão prová-lo. Qualquer dia, de lá, “Duque Relvas” gritará: Aviões? Obrigações de serviço público? Isso há no Mogadouro? Não! Então para quê nos Açores?

E nessa altura já eles todos (os Duques de cá e os Duques de lá) hão-de estar como os personagens de António Lobo Antunes, em “As Naus”:

“(…) Esperámos, a tiritar no ventinho da manhã, o céu de vidro das primeiras horas de luz, o nevoeiro cor de sarja do equinócio, os frisos de espuma que haveriam de trazer-nos, de mistura com os restos de feira acabada das vagas e os guinchos de borrego da água no sifão das rochas, um adolescente loiro, de coroa na cabeça e beiços amuados, vindo de Alcácer Quibir com pulseiras de cobre trabalhado dos ciganos de Carcavelos e colares baratos de Tânger ao pescoço, e tudo o que pudemos observar, (…) foi o oceano vazio até À linha do horizonte (…)e os mestres de pesca, de calças enroladas, que olhavam sem entender o nosso bando de gaivotas em roupão, empoleiradas a tossir nos lemes e nas hélices, aguardando, ao som de uma flauta que as vísceras do mar emudeciam, os relinchos de um cavalo impossível.”

Para quem nunca leu: recomendo vivamente. Leiam no Natal para se abstraírem das notícias de Duarte Lima e, destes “Duques” todos, que um dia, sempre amparados uns nos outros, esperarão numa praia qualquer a chegada de um cavalo (impossível?). Nunca fiando.

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