quarta-feira, junho 30, 2010

Esta não é uma crónica sobre as pastas de dentes





Podia ser um resumo de novela, uma grelha de horóscopos, qualquer coisa, uma carta de amor, um ensaio sobre as asas das abelhas ou as guelras das abróteas, mas não é.
Nunca tinha pensado escrever uma crónica sobre pastas de dentes, até porque não é dentista, mas podia ocorrer-lhe falar disso, das pastas de dentes, da enorme variedade que há nas prateleiras dos supermercados. Falar disso ou de gelatinas. Disso ou de carros de corrida. Disso ou de jogos de computador. Enfim, disso ou doutra coisa qualquer.
(Há tantas coisas para escrever…).
Um dos seus escritores de eleição – Pedro Paixão – tem vários livros com variadíssimas crónicas sobre variadíssimas coisas, que falam de variadíssimas pessoas, de B., de M., de C. e de D. e de como em “Saudades de Nova Iorque”, por exemplo, estas anónimas personagens se entrecruzam, pelas ruas, e constroem juntas dezenas de peripécias.
Há dias deu por si a reparar nos títulos dos livros que tinha na secretária, por detrás do computador e ao lado de uma fotografia da casa dos avós. Uma fotografia a preto e branco com um cão amarelo. Sim, a fotografia era a preto e branco, mas o cão permanecera com a mesma cor. Olhou a fotografia e pensou: os cães conhecem-se, mesmo disfarçados, assim numa fotografia tão preta e tão branca! …
Mas, os títulos dos livros é que a fizeram parar. Havia um bem extenso, mas interessante, do ponto de vista até metafórico. Chamava-se “Auto-Retrato do Escritor enquanto corredor de fundo, um livro de memórias”. Lembrava-se perfeitamente do dia que o comprara, da expressão do autor Haruki Murakami, pendurado num poster dentro da livraria e da sensação que teve, algo estranha, por comprar um livro, que bem podia ser um qualquer tratado sobre atletismo.
Os títulos, pensou, enquanto lia a lombada do livro, editado pela “Casa das Letras”, podem enganar as pessoas (ou não). Mesmo assim, como quem não quer a coisa, comprou-o. E o livro, agora já lido, contava uma história sobre ganhar e perder, falando de provas de longa distância e triatlos e, também, de corridas.
A crítica chamou-o diário, ensaio autobiográfico, elogio da corrida…Mas, ela preferiu chamar-lhe livro. E chega.
A seguir a esse tinha outro, ao qual voltava de quando em vez, que era castanho da cor dos pianos. Sim, ela adorava pianos. Era fã de Bebo Valdês.
O livro de José Luís Peixoto chamava-se “Cemitério de pianos” e falava só disso.
Mais adiante, havia um livro branco com uma imagem a preto e branco de dois homens: um baixo e um alto. Chamava-se “Património” e, também quando o comprou, pensou tratar-se, à primeira vista, de um qualquer livro como o de Schwanitz, por exemplo, sobre museus, igrejas ou bibliotecas, mas não. Era sobre um pai e o património humano (em todos os sentidos) que um pai pode deixar a um filho também.
Bem, mas esta começou por ser das duas vezes em que foi escrita, sem contar com esta, uma crónica sobre Gonçalo Velho, a estátua das Portas da Cidade, que está agora rodeada por futebol por todos os lados, no mesmo sítio, onde antes houve (em 2008) um concerto de Vanessa da Mata, mas depois ela desistiu.
E desistiu porquê?
Porque ela pensou, olhando para a estante dos livros, que era muito mais interessante falar deles, do que perder tempo com minudências mediáticas de outros…
De Mário Cesariny para leitura de férias: “Uma grande Razão”; António Lobo Antunes: “Que Cavalos são aqueles que fazem sombras no mar?”; Nuno Júdice: “As coisas simples da vida”; de Pedro da Silveira: “Fui ao mar buscar laranjas” e, finalmente, para os dias de todos os dias: “Bichos instantâneos”, de António Ramos Rosa…Ou então: “A vertigem das listas” de Umberto Eco, sobre a história da Literatura de todos os tempos…
Esta não é, como se vê (e se lê) uma crónica sobre as pastas de dentes. Podia ser. Bastava que ela quisesse…

Sem comentários: