sexta-feira, março 26, 2010

Da Minha Esquina



A Tempestade Perfeita

Parece incrível para muitas pessoas, que num país com a história e dimensão dos Estados Unidos da América existam, actualmente, cerca de 47 milhões de pessoas sem qualquer tipo de cobertura social de cuidados de saúde e outros tantos em risco de perderem o seu seguro de saúde privado. Parece quase terceiro-mundista que um cidadão, num país desenvolvido, que sofra de uma doença grave veja o seu tratamento recusado apenas por não ter seguro de saúde privado. Tal como parece absurdo, que um cidadão que sofra, por exemplo, de diabetes tenha muita dificuldade em obter seguro de saúde que sirva como tal. Para nós portugueses, tão habituados que estamos a falar mal do que é nosso, comparar o estado da cobertura do nosso sistema nacional de saúde com o sistema americano é a mesma coisa que comparar um Volkswagen Golf a um Ferrari sem motor, pode não ser tão bonito como o Ferrari, mas pelo menos serve para aquilo para que foi criado.
A noção de que o país mais avançado do mundo, não o pode ser, enquanto tratar os seus cidadãos sem acautelar e garantir direitos fundamentais, como a saúde, é algo que esteve sempre presente nos mais brilhantes estadistas americanos. Desde Roosevelt, que criou Welfare State (a primeira tentativa com sucesso de criar um estado de previdência a sério nos EUA), todos os presidentes americanos até Regan tiveram como objectivo conservar as conquistas sociais e alarga-las à área da saúde. Lindon Jonhson tentou e conseguiu, embora parcialmente, criar um seguro de saúde estatal, “Medicare” e “Medicaid”, para muito pobres e idosos, falhando redondamente o objectivo de um sistema de saúde universal devido sobretudo a problemas de integração racial nos hospitais dos Estados do Sul. Richard Nixon também fracassou, em 1974, quando tentou tornar obrigatórios os seguros de saúde às empresas. Bill e Hilary Clinton quase puseram em risco a sua reeleição quando ousaram propor uma reforma da Saúde ao Congresso americano.
Foi preciso entrarmos na maior crise económica internacional desde os anos vinte, que motivou uma crise também social, os EUA terem o seu maior deficit orçamental desde a Segunda Guerra Mundial e um Democrata reformista ser eleito, com maioria nas duas Câmaras do Congresso, para que fosse possível propor com sucesso uma reforma do sistema de saúde americano.


Uma reforma de saúde revolucionária, nos EUA…
Estima-se que nos próximos dez anos 32 milhões de americanos estarão abrangidos por um seguro de saúde público, pois na prática, todos os cidadãos americanos serão obrigados a ter um seguro de saúde, sob pena de multa, tendo também incentivos fiscais para o fazerem. Outra das medidas é alargar a abrangência do actual programa de assistência de saúde” Medicaid” ainda a mais população carenciada e reformular o sistema de apoio a idosos o “Medicare”. É posto fim à política das seguradoras “doentes em demasia”, isto é, é negado, a partir de agora, o direito às seguradoras de rejeitarem novos clientes que considerem doentes crónicos. E os jovens poderão continuar como dependentes no plano de saúde dos pais até completar 26 anos.
Esta é também uma reforma financeira do sistema de saúde americano. Com a reestruturação da política do medicamento, bem como dos actos médicos, a Administração americana conta conter o peso do deficit em cerca de 138 mil milhões de dólares.
Mas esta reforma é sobretudo histórica num país com tantos conflitos e dificuldades com o seu passado. É uma luta centenária para a promoção da igualdade nos EUA que atravessou vários Presidentes, Republicanos e Democratas e que contaram com a oposição, primeiro dos segregacionistas e actualmente da direita radical americana e das grandes empresas farmacêuticas.
Foi um dia histórico para os EUA.

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