Há duas semanas, a Rosa fez anos e apareceu na televisão com o seu ar calmo de sempre. Aliás, pensando bem, não me lembro de vê-la de outra maneira. Nem mesmo, quando vivia na casa ao lado da nossa, no Verão, e tomava conta de uma senhora de mais idade do que ela. Sempre que aparecia na janela para nos dizer adeus ou à porta para dar rebuçados, vinha com os mesmos óculos de massa e um lenço no cabelo esbranquiçado. Nunca conheci a Rosa nova, porque quando eu nasci a Rosa já existia e tinha a idade de uma avó. Morava numa casa muito pequenina com duas janelas e uma porta, aonde eu nunca entrei. Parecia uma casa de bonecas sem árvores à volta, mas com velas, que iluminavam as janelas quando era de noite e a lua começava a nascer por detrás do morro, ao pé da ponta do pico da ilha do Pico.
Sete dezenas de anos exactos nos separam. Quando a vi na televisão há duas semanas, falando com a jornalista e explicando que aquele era o dia dos seus anos, que ia festejá-lo com a família e com amigos da freguesia, depois de fazer o jantar para o sobrinho, com quem, agora mora, quase que me esqueci que a Rosa completava 101 anos, tal era o desembaraço com que falava, mexendo com a cabeça e sorrindo, diante da alegria de completar mais um ano. Estava de pé no jardim, de lenço, de óculos e trazia lenha nos braços para acender o forno, disse, enquanto sorria para a câmara de televisão.
Habituei-me à presença da Rosa com o passar do tempo. Às vezes, dou-lhe boleia para a missa, a que vai, religiosamente, aos Domingos; outras vezes visita-nos nas férias para levar laranjas ou figos. Abraçou-me sempre nos momentos mais difíceis da minha pequena vida e procurou explicar-me, na sua muito própria crença, o porquê de tantos e variados percalços. Nunca entendi nada disso, mas consenti sempre.
O ano passado, nos seus 100 anos, apareceu (também) muito bonita a falar na Televisão, com o seu sorriso grande e brilhante, onde eu sempre soube, que se lhe pedisse ou se precisasse, cabia por inteiro. Nessa vez, há um ano, foi a primeira vez, que a ouvi falar de si própria, explicando à jornalista que então a entrevistou que “nunca fez mal a ninguém”…
Tenho sempre e cada vez mais saudades do tempo de vigia da Rosa, da época em que ela nos espreitava para ver se nós nos portávamos bem e nós lhe cantávamos alegremente: “oh rosa, arredonda a saia”. Um outro tempo para nós, mas certamente o mesmo para ela, que ainda vai estar, sei e sinto, caminhando nas ruas para baixo e para cima com os seus óculos de massa de sempre, o lenço na cabeça, o casaco de malha e a sua passada curta, em Novembro de 2008 à espera da Televisão. E, quando eles chegarem, a Rosa vai sorrir e explicar que nunca fez mal a ninguém. Minha querida Rosa. Feliz Natal.
"E um dia os homens descobrirão que esses discos voadores estavam apenas estudando as vidas dos insectos..." Mário Quintana
sábado, dezembro 08, 2007
Os anos da Rosa
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1 comentário:
A Rosa realmente nunca fez mal a ninguém... é bom pensar que ainda há gente assim, pérolas no mundo
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