Primeira onda - Lá ao longe, debaixo das árvores, um homem e uma mulher estão sentados. Mas, não sentados de uma maneira qualquer. Estão sentados como se sentam as pessoas incomodadas com a sua própria presença. Muito calados. Muito direitos e com as pernas muito sentadas nas cadeiras. Com os casacos muito vestidos, os cachecóis muito apertados ao pescoço. Ela parece estar quase a dormir e ele olha com os olhos muito fechados para a palma das mãos fechadas. Espreita.
Segunda onda - [Imagina que não se tinha passado nada e tu tinhas só viajado e havia no sítio aonde tinhas ido muitas borboletas que falavam e riam e brincavam e não pareciam estas pessoas muito sentadas na vida!]
Terceira onda - Parece que têm frio nos ossos.
Quarta onda - Comprei três livros de uma vez só.
Quinta onda - Havia qualquer coisa de combinado naquele espaço. Não sei se eram as cores, as plantas, que pareciam dançar nos vasos, quando o vento assobiava nas montras da loja. Uma boneca de pano dançava, pendurada pelos braços a uma espécie de arco.
Sexta onda - Há bolas e balões suspensos nas entrelinhas do texto; nada de claramente perfeito; nada que consigamos ver, nada que declare alto e bom som: “estou aqui”, como as pessoas que não se sentam na vida. Um dia destes devias escrever uma história infantil daquelas que têm árvores falantes e coelhos risonhos; magias de espelhos; artes várias. Pintores, malabaristas, palhaços de sapatos grandes, que não cabem em armários. Um dia destes devias escrever sobre bolos de anos, fitas e balões. Ou então, escreve da tristeza e dos versos derramados no papel branco e da lua vidrada nos pés das plantas, quando à noite as gaivotas passam de chocalhos nos bicos e anéis nas asas para casar com os cometas.
Sétima Onda - Diz-se do céu das gaivotas que é do tamanho das ilhas e que a massa circundante é toda feita de água e sal. À noite enche-se de ondas para delícia destas damas, que vestem os seus biquinis e dão mergulhos brilhantes. Há quem diga cá por baixo, que cada exibição vale uma estrela cadente.
Oitava onda - [O meu poema é ter inteira a recordação de todos os dias aqui. Tu?]
Nona onda - O meu poema sou eu a desafiar o esquema. Com a corda. Sem acordo. Prisioneira, do meu poema, morro como morrem no espelho as lágrimas do Vapor, que acaba por não se ir embora.
Décima onda - [E o mar inteiro a enrolar-se.]
3 comentários:
realmente brilhante, prima! ali em baixo aquela tristeza do poema do nuno júdice só tinha sete ondinhas mas tu fizeste dez! pá, dez! brilhante!
Não tem comparação possível com o poema de Nuno Júdice.
Mas, prima??
os meus primos e as minhas primas têm nome.
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