Todas as noites adormeço
com um marulho de vagas nos ouvidos.
Trago do berço esta canção de embalo,
e já nem distingo se é do mar
ou se guardei em mim a sua música,
suave como a brisa das manhãs de Outubro,
ou dura, acutilante como a insónia
de esperar - e não esperar cousa nenhuma.
Mar!
devolve-me a tua presença viril,
cerra-me outra vez - e para sempre -
no abraço puro das tuas águas.
E canta, adormece-me,
conta-me histórias do meu avô baleeiro,
fala-me da viagem de meu pai
quando uma barca o levou, ainda menino,
até um porto da outra margem do mundo.
Ah! arraste-me a vida por todos os exílios,
nos desolados continentes hostis
ou nas cidades tentaculares e tumultuosas
- nunca me deixe a tua nítida lembrança,
vivas tu sempre no meu tino!
E, lá para o fim,
se nenhum navio me quiser a bordo
para a viagem de quem volta de coração vazio,
peguem na morte do que fui,
nu como nasci,
e levem-me até fora do porto mais próximo:
Sejas tu, assim, amigo Mar,
no fundo frio das tuas algas e peixes insensíveis,
a última cama de paz onde me deite!
Pedro da Silveira in Fui ao Mar buscar Laranjas 1, DRAC, 1999.
Fui ao mar buscar laranjas
que é cousa que lá não tem;
fui enxuto e vim molhado,
nem siquer vi o meu bem.
Do Cancioneiro Popular Açoriano
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