quarta-feira, outubro 26, 2005

Fui ter com as fadas...

Sininho Posted by Picasa


…E vi os barcos, os muitos barcos que passaram na palma da minha mão, onde desenhei ilhas. Vi os dias em que me davam papa e me contavam a história da cabra cabrês e dos saltos dela por cima dos montes, carregando porquinhos na sua barriga (Eu sou a cabra cabrês. Salto-te em cima e faço-te em três). Fiquei na disposição legal do verbo ficar, na arquitectura pleonástica do meu mundo, quando ele era verde, visto pelas lentes de uns óculos em forma de borboleta de plástico e o carrossel do Campo de São Francisco, onde havia uma panela gigante, que me levava dentro, como se eu fosse o João Ratão e a minha mãe a Carochinha. Há muito tempo, já, que me deixei ficar entre as vírgulas e os compassos num impedimento de movimentos e lembro os atrevimentos da minha infância: pequeninas perdas, poucos desgostos de amor e tantos amigos, como os sete anões. Fiquei num olhar cúmplice para a ilha que me viu nascer, de dentro para fora, como se o mar aonde pude abraçar, um dia, toda a minha gente e onde (lhes) escrevi fosse, pura e simplesmente, fácil de encontrar como a Casa de Chocolate ou o caminho de volta a casa do Polegarzinho.
Fiquei com a Gata Borralheira, a Alice do país das Maravilhas e o Capuchinho Vermelho. Fiquei de sandálias inglesas ao portão de casa do avô, à espera dele, para comermos um gelado no café Central e ele me contar quantos gnomos encontrou pelo caminho, o que lhe disseram, se já começaram a preparar o Natal. Fiquei com a certeza de que as estórias que me contaram, enquanto eu adormecia são reais. Fiquei de vestido de folhos e trança no cabelo com a ideia de que a minha mala era a do Sport Billy e de que não vou acordar, porque quando eu fui ter com as fadas eu vi os meus barcos e dentro deles estavam os meus Peter Pan. Porque preciso deles, não vou voltar. Logo à noite vou tomar sumo com a Pantera Cor-de-Rosa. Amanhã vou lanchar com a Branca de Neve. E fico com as fadas, porque como o poeta, eu também, “creio nelas”…
“ As fadas eu creio nelas! / Umas são moças e belas, /Outras velhas de pasmar…/Umas vivem nos rochedos, / Outras, pelos arvoredos, / Outras à beira do mar… (…)” *

* excerto de As Fadas de Antero de Quental


MARia aMARo ( Suplemento de Cultura nº 7,Açoriano Oriental 25.10.2005)